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23 de Abril de 2024
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    Dano moral: pais adotivos são condenados por desistir da adoção de duas irmãs após três anos de convivência

    O Tribunal de Justiça da Paraíba – TJPB determinou o pagamento de indenização, em 100 salários mínimos, por um casal a duas irmãs, menores de idade, pela desistência da guarda provisória, conquistada após o processo de adoção. As crianças conviveram com os pais adotivos por três anos e tiveram que retornar ao abrigo. O caso rendeu ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual.

    Na ação de revogação da adoção, o casal argumentou que as menores tinham comportamento agressivo, praticavam furtos, não respeitavam limites e mentiam compulsivamente. A parte também alegou que não caberia indenização por dano moral, pois a imagem, a intimidade, a vida privada e a honra das meninas não foram violadas. Além disso, a devolução teria se dado em razão da rejeição ao ambiente familiar.

    Em sua decisão, o desembargador José Ricardo Porto manteve a sentença do juízo em primeiro grau, desprovendo o recurso apelatório. Ele destacou que o estudo psicossocial constatou a presença de afinidade e afetividade ao permitir que o processo de adoção fosse adiante. A convivência se iniciou em 2014 e o pedido de revogação foi acolhido em 2017.

    Porto enfatizou que a separação das crianças dos pais adotivos lhes trouxe angústia, ansiedade e tristeza. “É incontestável que a situação trouxe sensação de abandono para as infantes que, após três anos vivenciando uma rotina familiar, criaram mais do que uma expectativa de vida em família, elas desenvolveram um senso de segurança e um vínculo afetivo com o casal recorrente”, observou, em sua decisão.

    Ele também considerou o montante de 100 salários mínimos como condizente com as circunstâncias fáticas, a gravidade objetiva do dano e seu efeito lesivo, bem como tem o poder de inibir o casal ofensor de futuras condutas semelhantes. Ainda cabe recurso e o processo tramita em segredo de justiça.

    Problemas também ocorrem com filhos biológicos

    Vice-presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, o juiz Fernando Moreira Freitas da Silva avalia os casos de pedido de revogação de adoção.

    “Todos os conflitos narrados na decisão – comportamento agressivo, pequenos furtos na escola, mentiras, desrespeito aos limites, dificuldades de adaptação ao lar – podem ocorrer tanto com filhos adotivos quanto com filhos biológicos. Nunca fui procurado por uma família biológica para entregar o seu filho por tais comportamentos, apesar de eles existirem.”

    “Penso que falta investirmos melhor no preparo dos pretendentes à adoção. Verificarmos se os pais adotivos realmente estão preparados para a inclusão de um filho na família, independentemente de todos os conflitos que possam surgir. Deve ficar claro que o filho não é um objeto, portanto, não se devolve”, defende o magistrado.

    Ele observa que, com a ampliação no número de adoções no Brasil, também se tornaram mais comuns as devoluções. “Friso que o número de adoções bem-sucedidas supera, e muito, o número de fracassos”, pondera Fernando.

    “O que geralmente leva à desistência é a frustração em relação ao filho idealizado. Como o filho desejado não foi encontrado, a devolução é tida como o caminho mais fácil. Outras vezes são os conflitos mal resolvidos entre o casal que são aflorados pela adoção. Já tive casos de casais que procuraram a adoção como forma de salvar um casamento fracassado.”

    “A chegada da criança no lar e a criação de laços afetivos mais intensos com um dos cônjuges gera ciúmes, acelera a ruína do casamento e a devolução se torna inevitável”, acrescenta Fernando.

    Devolução é sempre traumática

    O juiz aponta que o filho é submetido a uma experiência terrível ao retornar para adoção. “A devolução ao acolhimento é sempre traumática, pois a criança ou o adolescente se sente rejeitado e culpado. Em muitas das vezes, são os próprios adultos que têm um ideal de filho: educado, estudioso, companheiro, carinhoso etc. Como as expectativas não são atendidas, há frustração.”

    Ele opina que a criança não pode ser punida por não corresponder à fantasia criada pelos pais adotivos. Tal situação, ainda que não resulte no retorno ao acolhimento, pode causar sérios danos à formação do indivíduo.

    “É comum uma criança ou um adolescente desenvolver na nova família um comportamento para agradar aos pais. Para isso, se anula, deixa de falar das suas emoções, de expressar os seus desejos e se fecha. Algumas conseguem manter esse comportamento por toda a vida, já outras logo explodem”, atenta Fernando.

    “Por isso, a importância do acompanhamento psicológico na fase pós-adoção. Também é importante que os pais compreendam que o filho adotivo possui a sua personalidade, seus desejos e sonhos, e que precisam de um ambiente seguro para florescerem”, defende o magistrado.

    Condenação por dano moral tem sido usada para coibir casos

    Segundo Fernando, surgem cada vez mais decisões judiciais condenatórias por danos morais a fim de coibir as devoluções de crianças e adolescentes após iniciado o processo de adoção. Ele faz algumas ressalvas em relação a essas medidas.

    “Penso que deva ser analisado cada caso concreto, pois os pais adotivos podem ser culpados pelo insucesso da adoção, mas também é possível que a própria criança ou adolescente não queira ser adotada”, pondera o juiz. “A equipe técnica e o magistrado veem na adoção o melhor interesse da criança e do adolescente, mas eles sequer foram consultados. Nesse caso, por mais que os pais adotivos se esforcem, a adoção não vingará.”

    “Outra preocupação que tenho é que a condenação por danos morais iniba novas famílias adotivas de se habilitarem à adoção por terem medo de não conseguirem e ainda saírem condenadas”, acrescenta Fernando.

    Além da sanção pecuniária, ele informa que o artigo 197-E, § 5º, do ECA prevê àquela família que devolver o filho adotivo a exclusão do cadastro de adoção e a vedação à renovação da habilitação, salvo decisão fundamentada do magistrado. “Somente a prática judicial e o tempo dirão quais são realmente as medidas mais efetivas para estimular adoções definitivas e inibir devoluções”, acredita o magistrado.

    Desafios nos processos de adoção

    De acordo com o magistrado, tais casos representam um dos problemas enfrentados, atualmente, nos processos de adoção do Brasil.

    Entre os desafios ainda existentes, ele cita a carência de equipes técnicas em número suficiente para atender as demandas, o apoio psicossocial na fase pós-adoção, as campanhas de incentivo à adoção que atentem à necessidade de melhor preparação dos pretendentes e a capacitação de servidores na operacionalização do Sistema Nacional de Adoção, entre outros fatores.

    “Há um longo caminho pela frente, mas, como disse Paulo Freire (1921–1997), ‘o caminho se faz caminhando’”, assinala Fernando.

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