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18 de Abril de 2024
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    Censura na Bienal do Livro configura crime de homofobia, segundo especialistas

    A 19ª Bienal do Livro, que se encerrou no último domingo, 8 de setembro, no Rio de Janeiro, foi marcada por um episódio de censura protagonizado pelo prefeito carioca, Marcelo Crivella (PRB). O fato gerou divergências no âmbito jurídico, chegando ao fim com a decisão do Supremo Tribunal Federal, por meio de seu presidente, Dias Toffoli, e também do ministro Gilmar Mendes, que proibiram a apreensão de uma publicação com temática LGBT.

    Na sexta-feira, 7, a Prefeitura do Rio de Janeiro enviou fiscais à Bienal para apreender exemplares do livro Vingadores: A Cruzada das Crianças, do Universo Marvel, vendido em alguns estandes, por ser direcionado ao público infantojuvenil e conter a ilustração de um beijo entre dois super-heróis. No sábado, a decisão de Crivella teve o aval do Tribunal de Justiça do Rio.

    A ação foi aplaudida por parcelas conservadoras da sociedade, mas repercutiu mal internacionalmente. Protestos contra a censura e o ataque à liberdade de expressão marcaram os últimos dias da Bienal. Em entrevista à Folha de São Paulo, o ministro Celso de Mello classificou a decisão de Crivella como um “fato gravíssimo” e um “retrocesso, cuja inspiração resulta das trevas que dominam o poder do Estado”.

    Ação contraria princípio constitucional de proibição do retrocesso social

    “Não foi uma tentativa de censura. Foi uma censura, com todos os efeitos que pode produzir”, comenta Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional do IBDFAM. Segundo ela, a postura de Marcelo Crivella também configura crime de homofobia, que agora pode ser penalizado a partir da legislação antirracismo. “Está na hora de ele ser processado por isso”, defende a advogada.

    “Se só proíbe o beijo gay e não proíbe o beijo hétero, a postura é discriminatória. Isso afeta o princípio de proibição do retrocesso social, que é constitucional. Nada pode vir para eliminar avanços conquistados. Foi uma grande conquista, para a nossa sociedade, o respeito à diferença, à orientação sexual e à identidade de gênero”, aponta Maria Berenice, que também é presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero do IBDFAM.

    Ela lembra de avanços importantes protagonizados pelo IBDFAM, como a possibilidade de casamento e o direito à adoção de crianças por homossexuais. Contudo, a fim de evitar a reincidência de atos discriminatórios, é preciso legislações específicas, como o Estatuto das Famílias e o Estatuto da Liberdade Sexual e de Gênero propostos pelo Instituto.

    “A jurisprudência protagoniza avanços, mas precisamos ir além para não expormos a sociedade a esse tipo de situação, que nos coloca em posição muito desconfortável perante o panorama internacional”, acredita Maria Berenice.

    Para ela, o episódio de censura na Bienal evidencia um momento obscuro no País, de tentativa de policiamento dos costumes e grande violência contra as populações vulneráveis. “Isso revela que precisamos continuar, capitaneados pelo IBDFAM, essa verdadeira cruzada pelo reconhecimento do direito das pessoas viverem como quiserem.”

    ECA usado de forma equivocada

    Segundo Crivella, sua decisão encontrou respaldo no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que em seu artigo 78 diz: “As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.”

    Entretanto, o HQ da série Jovens Vingadores não possui qualquer cena erótica, ao contrário do que alegou o prefeito do Rio em vídeo publicado nas redes sociais. Ao final da história, os protagonistas, dois super-heróis homossexuais, apenas se beijam - como ocorre em tantas outras tramas também voltadas para o público infantojuvenil.

    “O que o Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro fez foi usar indevidamente o artigo do ECA, de forma obtusa, equivocada e atendendo a seus preceitos religiosos, desrespeitando decisões do STF e praticando crime de homofobia, além, obviamente, de ter tentado trazer de volta a famigerada censura - o que, aliás, já vem sido ressuscitada pelo atual governo federal”, critica Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM e da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-RJ.

    Para a advogada, a atitude de Crivella está em concordância com o discurso do Presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), em entrevista recente à youtuber Antonia Fontenelle. Na ocasião, o Chefe do Executivo afirmou que, de acordo com a Constituição, “família é homem e mulher”, ignorando uma série de avanços do Judiciário no reconhecimento das entidades familiares formadas por casais homossexuais.

    “Ambos se sentem acima da lei, acima de tudo e de todos, arraigados em princípios retrógrados que desprezam a humanidade, desconhecem a empatia e o respeito ao outro. A sociedade civil precisa reagir com medidas legais, enquadrando ambos nos crimes que cometeram, lembrando-lhes ser este um Estado laico, sem censura e onde todos e todas são iguais perante a lei”, diz Silvana.

    Respeito às diferenças

    Presidente da Comissão da Infância e da Juventude, a advogada Melissa Barufi diz que as vedações contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente sobre comercialização de produtos gráficos destinados a menores devem, de qualquer maneira, ser interpretadas “à luz dos princípios balizadores da Constituição Federal, enaltecendo a dignidade humana e o direito à autodeterminação individual”.

    “Não se pode perder de vista que a orientação sexual e a identidade de gênero devem ser consideradas como manifestações do exercício de uma liberdade fundamental e de livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo, devendo ser protegidas de preconceito ou de qualquer outra forma de discriminação”, observa Melissa.

    Segundo ela, a postura de Marcelo Crivella “adentrou no campo de afrontamento à igualdade e liberdade de expressão artística, bem como no direito à informação, ferindo a Constituição”.

    Na opinião da advogada, a exposição de crianças a uma cena de beijo entre pessoas do mesmo sexo não lhe trará qualquer problema. Ao contrário, a situação poderá lhe ensinar sobre as diferenças e a necessidade de aceitá-las. “Já disse Nelson Mandela: ‘Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar’”, contrapõe Melissa.

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