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16 de Abril de 2024
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    O IBDFAM divulga Nota Pública sobre a manutenção, a aplicação e o fortalecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente

    O Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, entidade científica sem fins lucrativos, CNPJ nº 02.571.616/0001-48, com sede em Belo Horizonte-MG, Rua Tenente Brito Melo, nº 1.215, 8º andar, foi criado em 1997 e reúne hoje mais de 13 mil associados. Visando à construção de um direito mais ético e rente à realidade da vida, investe no estudo interdisciplinar e na produção doutrinária no âmbito do Direito das Famílias, Sucessões, Infância e Juventude, Pessoa com Deficiência, Pessoa Idosa, e ciências afins, para a difusão deste conhecimento pública livros e revistas e promove eventos em todo o País.

    Deste modo, o IBDFAM sente-se no dever de se manifestar perante a sociedade brasileira, por meio da presente

    NOTA PÚBLICA SOBRE A MANUTENÇÃO, A APLICAÇÃO E O FORTALECIMENTO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE


    1. Contexto sociopolítico: críticas e ataques ao Estatuto da Criança e do Adolescente

    Nos últimos tempos tem se assistido a um grande número de ataques e críticas ao Estatuto da Criança e do AdolescenteECA.

    Se culpa o Estatuto da Criança e do Adolescente por inúmeras das mazelas sociais, especialmente aquelas relacionadas à marginalização e à insegurança pública.

    Se diz que o ECA “mima” e “passa a mão na cabeça” de “delinquentes juvenis”, que praticam condutas “criminosas” porque não podem ser punidos pelo direito penal.

    Se fala que o Estatuto impede o “virtuoso e benéfico” trabalho precoce, porque seria melhor o trabalho infantil do que a vida nas ruas e na criminalidade.

    Se propala, enfim, que o Estatuto da Criança e do Adolescente nada tem de bom, devendo ser “rasgado e jogado na latrina”.

    Todos esses ataques e críticas, sem exceção, não passam de um amontoado de falácias e bravatas, sustentado por argumentos frágeis e rasos, que buscam diagnósticos simplistas para problemas complexos e estruturais do Brasil, conforme passamos a demonstrar.

    2. A importância do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Rede de Atendimento

    O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das mais importantes e respeitadas leis de defesa dos direitos de infantes em todo o mundo. Surgiu no Brasil para consolidar uma virada paradigmática em relação ao tratamento jurídico conferido a crianças e adolescentes.

    A Constituição Federal elevou a proteção à maternidade e à infância a direito fundamental de natureza social (art. 6º), além de ter sido responsável por enunciar prioridade absoluta quanto à implementação dos direitos de crianças e adolescentes (art. 227). O Texto Constitucional também pediu a criação de uma lei geral de proteção à infância e juventude (art. 24, XV), o que se efetivou com a edição da Lei 8.069/90, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, ou ECA.

    Em seu artigo inaugural, o ECA enuncia a proteção integral, valor ou princípio segundo o qual crianças e adolescentes são pessoas em estágio peculiar de desenvolvimento físico, psíquico e moral, titulares de direitos fundamentais. Trata-se de grande inovação, pois, anteriormente, quando vigiam os Códigos de Menores de 1927 e 1979, os infantes recebiam o mesmo tratamento das coisas, ficando absolutamente reféns dos interesses e desígnios do mundo adulto. Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, infantes eram referidos pela legislação como órfãos, abandonados, delinquentes, enfim, eram etiquetados segundo os interesses e as impressões do mundo adulto, que apenas se preocupava em retirar das ruas os infantes que, aparentemente, estavam fora de lugar, materializando as famosas
    políticas higienistas de limpezas da ruas e institucionalização de crianças.

    Estruturado sob os eixos de promoção, proteção, defesa e controle social dos direitos de crianças e adolescentes, o ECA enuncia o fortalecimento da rede de atendimento aos infantes, além de pregar a participação popular, a desjudicialização e a municipalização do atendimento. Se reconhece a importância de uma multiplicidade de atores sociais e técnicos, a exemplo dos psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, cada um apresentando suas contribuições para uma visão holística sobre as pessoas em desenvolvimento.

    Todas essas premissas entregam a missão do Estatuto: posicionar a criança e o adolescente no epicentro da proteção de seus próprios direitos, como protagonistas, contando sempre com a participação da sociedade civil organizada, da forma mais democrática possível, a exemplo da existência, estrutura e funcionamento dos conselhos de direitos e conselhos tutelares, entidades de atendimento e demais instituições e atores sociais.

    3. O Direito Fundamental à Convivência Familiar e uma reconsideração em relação à proposta de um Estatuto da Adoção

    O Estatuto da Criança e do Adolescente optou por abordar o tema da Convivência Familiar e Comunitária de forma abrangente e tendo os infantes como os seus titulares. Estabeleceu inúmeras inovações em relação ao Código Civil, a exemplo da disciplina sobre as famílias substitutas e o estabelecimento da condição de dependente previdenciário ao infante sob guarda.

    A abordagem sobre convivência familiar é tão contundente e completa que, com a edição da Lei 12.010/2009, se fez a opção de tornar o ECA a única fonte normativa em matéria de adoção, além de documento normativo apto a receber inúmeras novidades jurídicas, a exemplo do conceito de família extensa ou ampliada e do direito à paternidade científica ou ao conhecimento sobre a ascendência genética.

    Apesar de ter criado uma lógica envolvendo a convivência familiar, estabelecendo a premissa da manutenção da criança e do adolescente junto à sua família natural, e alocando a adoção como medida excepcional, o Estatuto da Criança e do Adolescente parece ter dificuldades para atacar um grande problema que vivemos: a situação das crianças e adolescentes invisíveis.

    Segundo dados colhidos nos Cadastros de Adoção e de Crianças Acolhidas, ambos geridos pelo CNJ, hoje temos 9.099 infantes disponibilizados à adoção (com a ação de destituição do poder familiar já transitada em julgado), enquanto o número total de crianças e adolescentes acolhidos é de 47.969 (situação juridicamente indefinida). Os números não fecham não apenas em razão do perfil dos 44.673 habilitados (muitos estabelecem perfis muitos restritos de infantes, gerando um grande número de infantes que quase ninguém admite adotar), mas principalmente em função da extrema morosidade da máquina do Judiciário, que leva até 7,6 anos para destituir o poder familiar, enquanto o próprio ECA determina que o tempo total de tramitação da ação de adoção deve ser de, no máximo, 120 dias. Há, portanto, uma legião de crianças e adolescentes literalmente depositados em abrigos País afora.

    Com base nesses números e nessa situação de invisibilidade de milhares de infantes, o IBDFAM iniciou um movimento com o objetivo de instituir um Estatuto da Adoção. A ideia era criar uma nova lei que pudesse estabelecer procedimentos mais racionais em matéria de convivência familiar, enfatizando a alternativa da adoção para esses milhares de infantes esquecidos nas instituições de acolhimento. A ação foi contundente e eficaz, gerando o PLS 394/2017.

    Entretanto, logo após a apresentação do projeto, foi percebida uma grande resistência sociopolítica em relação à ideia de se tratar da convivência familiar e da adoção fora do ECA, ainda que as premissas envolvendo o fim da invisibilidade de infantes pareçam ser compartilhadas por todos.

    Diante desse cenário, bem como dos atuais ataques desarrazoados ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o IBDFAM decidiu reconsiderar a ideia do Estatuto da Adoção.

    Nossa intenção agora é retomar a discussão do problema desde o início, em interlocução com a rede de atendimento aos infantes, conselhos de direitos, conselhos tutelares, entidades de atendimento, profissionais da psicologia, do serviço social e da pedagogia, defensores públicos, promotores públicos, juízes, enfim, com todos os atores e entidades sociais envolvidos na política de atendimento aos infantes.

    Entendemos que, no contexto atual, de fato, o melhor caminho é o de fortalecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, considerando que eventuais melhorias envolvendo a convivência familiar e a adoção sejam realizadas dentro do ECA, não em apartado.

    Compreendemos que nossa atuação tem como cerne as crianças e os adolescentes, e tudo o que estiver ao nosso alcance para permitir a garantia de seus direitos, certamente será feito.

    4. O Direito Fundamental à Inimputabilidade Penal

    A Constituição Federal enuncia que os menores de 18 anos são inimputáveis, estando sujeitos às normas da legislação especial (art. 228). A legislação especial é justamente o ECA, que estabelece um tratamento diferenciado diante da prática, por crianças e adolescentes, de condutas descritas como crimes ou contravenções penais.

    Trata-se da disciplina pela prática de ato infracional. Se um infante pratica uma conduta que, se fosse levada a efeito por um adulto seria um crime ou uma contravenção penal, ele terá, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, praticado um ato infracional.

    E, como regra, quem pratica ato infracional não fica impune. Inimputabilidade não é sinônimo de impunidade. Um adolescente que pratica ato infracional se sujeita às denominadas medidas socioeducativas, que vão desde uma advertência até uma internação, com privação de liberdade.

    O ECA traz claras regras sobre restrição de liberdade para adolescentes que praticam atos com violência ou grave ameaça à pessoa, ou que reiteram no cometimento de atos graves. O grande problema é que, na prática, em grande parte do Brasil, não se consegue aplicar o ECA, especialmente porque não há entidades e programas adequados para o cumprimento de medidas socioeducativas. Perceba-se, portanto, que o problema não está no Estatuto, mas na falta de investimento estatal para o cumprimento daquilo que está previsto em lei.

    Aliás, é imperioso destacar que essa realidade não é exclusiva dos infantes. No Brasil, segundo o Ministério da Justiça, em 2017 havia 726.712 presos para 368.049 vagas. Não há lugar para tanta gente presa. Além disso, de acordo com dados divulgados pelo CNJ em 2018, existem no País 143.967 mandados de prisão em aberto, refletindo a situação de pessoas condenadas ou com determinação para aguardarem seus julgamentos presas, mas que estão soltas por total ineficiência do Estado em implementar condições para que estejam privadas de liberdade.

    Em resumo, redução de maioridade penal não vai resolver problema de criminalidade nenhum. O buraco é muito mais embaixo. Trata-se de questão estrutural.

    Ademais, vale destacar que, sob o ponto de vista constitucional, a inimputabilidade de crianças e adolescentes é direito fundamental que, segundo a tese ou teoria dos direitos análogos, goza da proteção conferida às cláusulas pétreas, ou seja, nem mesmo uma emenda constitucional poderia aboli-la do direito brasileiro na vigência da Constituição Federal de 1988.

    5. Os Direitos Fundamentais à Educação e ao Não-Trabalho

    A Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional estruturam a garantia e a aplicação do direito à educação para crianças e adolescentes no Brasil.

    Trata-se de direito ligado ao desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes. Em apertada síntese, a ideia do sistema é que os infantes possam exclusivamente brincar e se escolarizar durante os primeiros anos de suas vidas. Por isso é que são estabelecidas idades mínimas para o trabalho (14 anos na condição de aprendizagem e 16 anos para o labor que não seja noturno, perigoso ou insalubre). É nessa linha que se defende a existência do direito ao não-trabalho para infantes.

    Infelizmente, para grande parte da população brasileira o trabalho precoce é visto como virtuoso ou necessário. Virtuoso na medida em que o sujeito se mostraria útil e ativo. Necessário porque muitas crianças e adolescentes precisariam trabalhar para ajudar na renda da família. A verdade é que a virtuosidade do labor remete à colonização e ao início do período republicano no Brasil, em que o trabalho passou a ser visto como instrumento de recuperação ou redenção dos infantes das camadas mais pobres da população, uma alternativa “nobre” aos infantes órfãos, abandonados e delinquentes.

    Permitir que infantes trabalhem é mais cômodo à sociedade e ao estado, pois retira-se o foco das políticas educacionais e dos programas sociais educacionais. O pior é que o trabalho precoce atrapalha até mesmo o básico, pois as jornadas de labor impõem um desgaste físico e intelectual que dificulta a frequência e o desempenho escolar.

    Assim é que a entrada precoce no mercado de trabalho acaba representando o fim da trajetória escolar e educacional da maioria dos infantes, condenando-os ao desempenho de funções de baixa remuneração e perspectivas emancipatórias ínfimas. Nos dias de hoje, começar a trabalhar cedo é muito pouco. Quase todo emprego é transitório. O mais importante é que as pessoas tenham empregabilidade, ou seja, que suas formações educacionais e profissionais sejam densas e funcionais a ponto de permitirem que cada sujeito consiga, de forma rápida, intuitiva e independente, se adaptar às novas necessidades do mercado de trabalho, que mudam com uma
    velocidade assustadora na era da revolução tecnológica capitaneada pela informação.

    6. Considerações Finais

    Essas são algumas das razões que levam o IBDFAM a firmar posição no sentido de se buscar a manutenção, a aplicação e o fortalecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que se pauta em diálogo com a rede de atendimento para a construção de atuações jurídico-políticas em prol dos interesses dos infantes.

    Os pilares da desjudicialização do atendimento, do fortalecimento da rede, da garantia dos direitos fundamentais à convivência familiar, à inimputabilidade, à educação e ao não-trabalho precisam ser conservados e enrijecidos, como bastiões do Estatuto e do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil.


    Belo Horizonte, 17 de outubro de 2018.

    Rodrigo da Cunha Pereira
    Presidente do IBDFAM

    Maria Berenice Dias
    Vice-Presidente do IBDFAM

    Paulo Eduardo Lépore
    Comissão de Infância e Juventude do IBDFAM

    Silvana do Monte Moreira
    Comissão de Adoção do IBDFAM

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