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25 de Abril de 2024
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    Lei Brasileira de Inclusão ainda enfrenta resistência à sua aplicação, dizem especialistas

    No dia 07 de de julho de 2016 era publicada no Diário Oficial da União - DOU a Lei nº 13.146/15 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. O estatuto entrou em vigor no ano seguinte, trazendo novas regras e orientações para promover os direitos e liberdades dos deficientes.

    A norma é instrumento de regulamentação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada pelo Decreto Legislativo 186/08 que completará 10 anos no dia 8 de julho, marco legal que altera códigos e estatutos para harmonizá-los com a Constituição Federal.

    “A LBI/EPD é um marco legal com dispositivos sobre a vida da pessoa com deficiência do nascimento ao envelhecimento, a saúde, educação, trabalho, cultura e lazer, exercício dos direitos sociais, políticos e econômicos, pautada pelas garantias constitucionais, por meio do exercício dos direitos fundamentais e liberdades individuais em igualdade de condições com pessoas sem deficiência”, observa a advogada Cláudia Grabois, presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do IBDFAM.

    Liberdade e dignidade

    Para Cláudia, as alterações promovidas pelo estatuto no Código Civil introduziram posições divergentes sobre a tutela das pessoas e o entendimento da liberdade-dignidade. “A LBI/EPD revogou o regime das incapacidades, indo ao encontro do artigo nº 12 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência- CDPD, sem atendê-lo em sua totalidade, mas promovendo avanços”, diz.

    Por outro lado, explica a advogada, a LBI/EPD colocou pessoa com e sem deficiência lado a lado, na forma da Convenção. “Se a Convenção é o tratado revolucionário dos direitos humanos das pessoas com deficiência, é a LBI/EPD que a coloca no marco das relações jurídicas”, reflete.

    Cláudia esclarece que a tutela da liberdade-dignidade é uma busca contínua e que a efetivação dos dispositivos deste estatuto depende de toda a sociedade. “Proteger não é privar, na medida do possível, a LBI/EPD foi fiel à Lei Maior. Não obstante, considerando que a CDPD não era auto-aplicável em todos os seus artigos, criminalizar a discriminação e tornar a falta de acessibilidade forma de discriminar, para a maior parte da população com deficiência, vem a ser, no dia a dia, a maior mudança. Para a efetivação da LBI, é necessário que o estado parte dissemine os dispositivos convencionais e os governos considerem todas as pessoas com deficiência clones dos sujeitos de direito”, reflete.

    Avanços e desafios

    Após dois anos de vigência do estatuto, Cláudia Grabois destaca os maiores benefícios instituídos pela norma. “Erradicar a discriminação, equiparar direitos à de condição com as demais pessoas, promover todas as formas de acessibilidade, viver em sociedade e em família, votar e ser votado, ter assegurado o exercício das liberdades individuais, ter assegurado o acesso e permanência na educação, ter o direito de exercer a sexualidade conforme orientação sexual, ter acesso aos recursos de acessibilidade são direitos fundamentais agora mais próximos das pessoas com deficiência”, diz.

    Ela também ressalta os pontos em que não houveram avanços. “Falta de acessibilidade na informação, na comunicação e em espaços de educação públicos e privados, em todas as fases, níveis e modalidades do ensino; insistência em infantilizar pessoas com deficiência, considerando-as incapazes para os atos da vida civil; falta de oferta de recursos de acessibilidade pedagógica em espaços da educação superior; insistência na desconsideração da personalidade jurídica da pessoa com deficiência; a não eliminação das barreiras que impedem o pleno exercício da cidadania; falta de políticas públicas adequadas, que impedem a pessoa com deficiência de crescer e viver em sociedade; a institucionalização da vida da pessoa com deficiência; ampliação do conhecimento de recursos de acessibilidade em perícias judiciais, bem como de formações e parcerias nesta área; ampliação do acesso à justiça por meio de informação e comunicação acessível e a insistência em projetos de lei que confrontam a Convenção”, expõe.

    Cláudia evidencia a mudança no âmbito das relações familiares e a forma de incluir a pessoa com deficiência no paradigma do direito. “No aniversário de dois anos da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, necessário ainda reiterar que a pessoa com deficiência não é anjo, especial, reizinho ou portador do que quer que seja. Pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos a longo prazo, que podem ser de natureza física (usuários de cadeira de roda, pessoas com paralisia cerebral, pessoas com mobilidade reduzida), mental (pessoas com TEA, psicoses, entre outras), intelectual (pessoas que necessitam de recursos de acessibilidade específicos para o seu pleno desenvolvimento), sensorial (pessoas cegas, surdas, surdas-cegas, pessoas com baixa visão), os quais, em interação com as múltiplas barreiras interpostas podem obstruir e obstaculizar o exercício da cidadania, desde o nascimento, a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, garante. “A legislação existe, mas, no âmbito das famílias, legitimar e incentivar as pessoas com deficiência para que sejam parte integrante da sociedade, para que desenvolvam todo o seu potencial e possam fazer as suas escolhas após apresentadas todas as possibilidades e oportunidades é um desafio compreensível. Reconhecer que pessoas com deficiência tem o direito e podem exercer plenamente a maternidade e a paternidade, é uma barreira a transpor, às famílias, a sociedade, ao governo, ao poder judiciário”, diz.

    Mudança paradigmática

    Para a professora Joyceane Bezerra Menezes, membro da Comissão da Pessoa com Deficiência do IBDFAM, os operadores do direito já conhecem o estatuto, mas ainda há resistência à sua aplicação, “especialmente no que concerne à proposta global de integração pelo reconhecimento da pessoa com deficiência como um protagonista de sua história”.

    Ela expõe: “Assim como a Convenção, o EPD propôs uma mudança paradigmática. E como toda grande mudança provoca reações de resistência. Reestruturou o conceito secular de deficiência para dissociá-la da limitação física, psíquica, intelectual ou sensorial, seguindo o esteio da Convenção. A partir dessa abordagem, a deficiência deixa de ser percebida como uma condição intrínseca à pessoa e passa a ser apreendida como um fenômeno social resultante da interação entre a limitação natural desta com as barreiras do meio externo. Essa compreensão, por exemplo, ainda não foi absorvida pelos atores jurídicos. Continua-se procurando explicar e provar a deficiência a partir de um diagnóstico médico, como se fosse um fato estanque inerente à própria pessoa. Ainda não compreendemos que a limitação funcional (psíquica, sensorial, intelectual ou física) pode (e deve) ser mitigada pela readaptação do meio com os ajustes possíveis. Aceitamos que uma rampa ou um elevador possa minimizar as limitações de mobilidade, mas não conseguimos compreender que o meio externo, em especial, as atitudes, possam ampliar a capacidade funcional da pessoa com deficiência intelectual e/ou psíquica”.

    Segundo Joyceane, esse aspecto é uma das maiores dificuldades de aplicação prática da proposta de inclusão do estatuto. “Desacreditamos que a pessoa com deficiência intelectual ou psíquica possa ser agente capaz. Isso porque ecoa no nosso imaginário que somente será capaz para os atos da vida civil aquele ser humano ilustrado, ideal, com domínio absoluto da razão e que, por si, seja capaz das decisões mais iluminadas e acertadas, haja vista possuir o ‘discernimento’”, observa.

    O Projeto de Lei do Senado nº 757 com substitutivo aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal deu um passo atrás, conforme explica Joyceane, aproximando ainda mais a tomada de decisão apoiada da curatela, exigindo, por exemplo, que seja registrada no cartório de registro de pessoas naturais. Tomada de Decisão Apoiada é o processo no qual a pessoa com deficiência elege pelo menos duas pessoas para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes as informações e elementos necessários para que possa exercer sua capacidade.

    “A TDA não traz prejuízo à capacidade civil do sujeito apoiado. Vincula apenas os agentes envolvidos (apoiador e apoiado). Um registro dessa medida mais fará com que a pessoa sob apoio seja considerada um ente quase incapaz. Há países que já têm permitido a TDA por meio de escritura pública, desjudicializando a medida, exatamente por se tratar de um acordo de apoio entre quem o requer e quem o prestará”, diz.

    Segundo ela, a tomada de decisão apoiada também não chegou aos tribunais e ainda é desconhecida da população. “Quando a matéria é levada a exame, ainda há alguma confusão do que pode ser explicado em razão da novidade do instituto”, diz. “Quanto à curatela que deveria ser medida excepcionalíssima, ainda vem sendo utilizada com grande recorrência, em parte pela exigência do INSS para aqueles beneficiários da LOAS. Embora as decisões que fixam a curatela não façam recair sobre o curador poderes para tratar de questões existenciais, atribuem poderes gerais para o âmbito patrimonial, replicando uma espécie de curatela total na seara patrimonial. Será que todas as pessoas sob curatela, algumas das quais exercentes de atividades econômicas (haja vista que muitas empresas devem absorver um percentual mínimo de empregados com deficiência), não têm condições de administrar nem uma pequena parte do salário que recebem ou mesmo do benefício social a que têm direito?”, questiona.

    Para Joyceane Menezes alguns pontos da norma mereceriam otimização. “Ao instituir os sistema de apoio ao exercício da capacidade que a CDPD propõe como alternativa ao antigo modelo de substituição de vontade, no qual o representante emite a sua própria vontade para onerar o representado, pecou por utilizar figuras associadas ao antigo sistema. O EPD continuou usando a ‘curatela’ como uma forma de apoio mais intenso e gerou uma enorme confusão. Tanto é que a pessoa com deficiência sob curatela é designada como ‘relativamente incapaz’”, observa. “Não se pode mais é utilizar a deficiência como um critério modulador da capacidade civil. Uma solução dessa ordem atentaria contra a CDPD que é norma constitucional entre nós. Segundo a Convenção, a abordagem da deficiência deverá ser o caminho para traçar os limites do apoio e não a restrição à capacidade”, ressalta.

    Joyceane observa que o Código de Processo Civil ainda chama a ação de curatela de ‘interdição’, termo estigmatizante e incompatível com o sistema de direitos humanos representado pela CDPD. “Até mesmo o projeto de lei que pretende alterar o EPD continua usando a expressão. Interditado é o prédio que não tem função, a rua em obras. A pessoa continua sendo um sujeito dotado de dignidade”, reflete.

    Em âmbito nacional o estatuto é criticado por haver expandido demais a autonomia da pessoa com deficiência. No entanto, o EPD tem sido objeto de críticas do Comitê da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da pessoa com Deficiência, por não haver se desprendido completamente do modelo de substituição. “Estimamos que o tema continue em evidência e que o debate possa produzir a mudança necessária capaz de realizar o objetivo da CDPD – a inclusão da pessoa com deficiência. Nesse processo dialógico que o segmento envolvido e diretamente interessado seja chamado e ouvido para não se descuidar do lema historicamente consolidado: 'Nada sobre nós, sem nós'”, afirma Joyceane Menezes.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/lei-brasileira-de-inclusao-ainda-enfrenta-resistencia-a-sua-aplicacao-dizem-especialistas/598105653

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