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20 de Abril de 2024
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    Série “Um olhar sobre a adoção”

    Entregar o filho para adoção: ato de amor

    Entregar o próprio filho para adoção não é crime. Pelo contrário. É um direito assegurado às gestantes, expresso no parágrafo único do artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. E, segundo a normativa, a informação sobre como proceder deve ser fornecida pelas varas da Infância e da Juventude. A fim de desmistificar o tema, a Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (ANGAAD) lançou a campanha “Entregar o filho para adoção não é crime. Abandonar sim”. Outra iniciativa neste sentido é o “Parto Anônimo”, projeto desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Ambos têm como foco a proteção da criança e o respeito à vida.

    “O ‘Parto Anônimo’ não se destina apenas à gestante, mas sim àquele sujeito a quem foi conferida prioridade absoluta: a criança”, explica Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM. Ao contrário do que prega o senso comum - que marginaliza as mães que entregam seus filhos à adoção, transformando-as em monstros -, a entrega é coberta de amor, conforme a advogada. “A separação entre mãe e filho gera angústia, pois remete a dogmas como o amor materno e a questões emocionais e pessoais de maior profundidade, uma vez que somos todos filhos e, quem sabe, muitos somos pais”, complementa. “A turbulência política do País, entretanto, impede que pautas do tipo sejam debatidas neste momento”, lamenta.

    Adoção à brasileira x Adoção consensual

    Silvana do Monte Moreira também fez distinção entre adoção à brasileira e adoção consensual. Segundo ela, adoção à brasileira não é adoção: “A menos-valia dos brasileiros criou essa expressão, como se tudo o que fosse ‘brasileiro’ fosse ilegal. Não costumo usar essa denominação, e sim ‘adoção irregular’”, esclarece. A opinião da advogada está fundamentada no artigo 242 do Código Penal, o qual exprime: “Dar parto alheio como próprio; registrar como seu filho o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena - reclusão, de dois a seis anos”.

    A adoção consensual, por sua vez, é caracterizada quando a genitora (ou genitores) entrega (m) diretamente seu filho a outra pessoa ou casal, para que este o adote. “A adoção consensual, consentida, pronta ou intuitu personae não é crime”, explica Silvana. Importante salientar que, nestes casos, alguns doutrinadores entendem não ser necessária a prévia habilitação. A advogada, no entanto, discorda: “As únicas exceções à prévia habilitação se encontram descritas no § 13, incisos I, II e III, do artigo 50 do ECA. Verifico, ao longo dos últimos anos, um aumento significativo das adoções consentidas na prática profissional diária, pois, como se sabe, o Cadastro Nacional da Adoção - CNA é uma ferramenta travada”.

    A especialista lembra que o próprio IBDFAM já oficiou o Conselho Nacional de Justiça - CNJ acerca do CNA, que, inclusive, se encontra em fase de reestruturação. “Entendo, ainda, que a adoção consentida deva ser regulamentada, para que os juízes da Infância e da Juventude não sejam meros homologadores de situações já consolidadas pelo tempo. Normalmente, as adoções consentidas são realizadas por meio de pessoas que vêm do Nordeste ou de locais pobres. Raramente acontecem com pessoas de longa relação com os adotantes. O Ministério Público alega quebra do Cadastro, mas como assegurar essa alegação diante de um CNA inoperante?!”, questiona.

    “É importante lembrar que, quando há a entrega legal do bebê, o processo de destituição do poder familiar e o encaminhamento da criança para família adotiva se dá com muito mais celeridade”

    Sara Vargas, bacharel em Direito, especialista em Terapia Familiar Sistêmica, presidente da ANGAAD e coordenadora executiva dos programas Pontes de Amor e Família Acolhedora, fala sobre a campanha “Entregar o filho para adoção não é crime. Abandonar sim”. E afirma: “A sociedade, nestes casos [da entrega], não deve agir com preconceitos e acusações a esta mãe, como se fosse uma ‘pessoa sem coração’”. Confira a entrevista:

    Fale sobre a campanha “Entregar o filho para adoção não é crime. Abandonar sim”, idealizada pela ANGAAD.

    A campanha visa maior conscientização social sobre o tema. Por meio das redes sociais, estamos provocando a sociedade para que pense e converse sobre isso. Infelizmente, não são tão raros os casos de abandono de recém-nascidos. Na semana passada, em um único dia, dois bebês foram abandonados no Rio de Janeiro e ambos vieram a óbito. Esta situação nos motivou a realizar a campanha.

    A ANGAAD, ao incentivar os Grupos de Apoio à Adoção e a sociedade a falar sobre a entrega legal de bebês, propõe que o assunto seja levantado com ética e orientações adequadas aos profissionais que atuam na garantia de direitos da criança, assim como à população, quanto ao agir diante de uma gestante ou mãe que deseja entregar seu filho. O acolhimento, neste caso, é importantíssimo. Muitas vezes, esta mãe encontra-se sozinha diante de uma gestação indesejada, e o desespero trazido por esta situação pode levá-la a tentativas de aborto de forma clandestina e perigosa, ou ao abandono do recém-nascido.

    Se puder contar com apoio, ou mesmo se for orientada quanto às possibilidades de suporte e benefícios que pode usufruir, sua decisão pela entrega do filho pode ser mudada. No entanto, muitas dessas mulheres encontram-se em situações que as limitam quanto ao cuidado de si e impossibilitam o cuidado de outro (drogas, álcool, graves transtornos, enfim), ou não estão dispostas a assumir a responsabilidade de uma criança. Por isso, sempre que uma mãe deseja entregar seu filho, é necessário que se realize uma séria avaliação a respeito de sua história, a fim de revelar se há condições e disposição dela ou de sua família, no intuito de apoiá-los a permanecerem com a criança.

    Auxiliá-la neste sentido é sempre a primeira opção. Porém, muitas [mães], por perceberem que não conseguem criar seus filhos dignamente, resolvem entregá-lo para que seja cuidado de maneira adequada. Trata-se de uma decisão de amor pela criança. A sociedade, nestes casos, não deve agir com preconceitos e acusações a esta mãe, como se fosse uma ‘pessoa sem coração’. Ela precisa de acolhimento, apoio e orientação, para que possa tomar a decisão acertada: ficar com o filho, quando há o desejo e condições, ou entregá-lo para adoção.

    Os profissionais ou mesmo membros da sociedade que tomam conhecimento sobre o desejo de entrega da mãe precisam agir de acordo com a lei, encaminhando esta mãe e/ou a criança para a Vara da Infância e da Juventude da região. Assim, após realizado o devido processo, a criança será rapidamente encaminhada para adoção. No entanto, ainda há profissionais que intermedeiam a entrega direta da criança para famílias que nunca passaram pelo devido processo de habilitação [para adoção]. Essa entrega ilegal expõe a criança a situações de risco, uma vez que a motivação e as condições psicossociais da família não foram avaliadas - e essa família não foi devidamente preparada para a adoção.

    Este procedimento não garante a permanência da criança com a família que possui apenas a guarda de fato. Sem a guarda legal, a família não consegue autorizar procedimentos cirúrgicos ou tratamentos médicos, matricular a criança em escola, terá problemas em viagens e poderá ser responsabilizada judicialmente por seus atos. A entrega legal está prevista no ECA, art. 13, parágrafo único. Nosso intuito é estimular reuniões, conversas, debates, reportagens e a feitura de cartilhas que orientam e esclarecem o assunto.

    A ANGAAD possui dados sobre abandono e entrega de crianças para adoção?

    Infelizmente, não possuímos dados precisos, mas segundo dados do CNJ, nos últimos 9 anos, apenas no Distrito Federal, mais de quatrocentas gestantes procuraram a Vara da Infância e da Juventude com o intuito de entregar seus bebês; cerca de 50%, após o acolhimento e orientações, resolveram ficar com seus filhos; as outras os entregaram para adoção. É importante lembrar que, quando há a entrega legal do bebê, o processo de destituição do poder familiar e o encaminhamento da criança para família adotiva se dá com muito mais celeridade.

    Há algo que ainda atrapalhe e emperre a entrega de crianças para adoção?

    O que atrapalha é a falta de informação, o preconceito e a má fé de alguns profissionais que orientam de forma equivocada. Por isso a importância de campanhas e debates sobre este tema. Ressalto que a mãe que deseja entregar seu filho não deve ser “monstrificada”. Deve ser acolhida, ouvida e orientada. Deve ser apoiada em sua decisão de ficar ou entregar a criança. Entregar um recém-nascido quando não se tem condições físicas, psicológicas ou sociais para criá-lo, é um ato de amor. No entanto, ainda há muitos profissionais que incentivam as famílias a acolherem estas crianças sem a guarda legal e a construírem vínculo para, posteriormente, procurar legalizar a situação. Isso é irresponsável, imoral, perigoso e pode trazer consequências drásticas para a família e para a criança. Importante que este tema seja trazido para os profissionais de Direito, pois eles precisam orientar e agir adequadamente.

    O que faz com que a pessoa, antes de abandonar um bebê, não pense duas vezes e busque outra alternativa?

    O desespero de uma gestação indesejada, a solidão, a falta de informação e apoio.

    As varas da Infância e da Juventude informam que a entrega para adoção não é crime ou não dão as devidas orientações?

    As varas da Infância devem acolher, orientar e prosseguir com o processo adequado. Quando há varas especializadas, geralmente realizam um bom trabalho. Fato é que, de acordo com o Provimento 36, de 05/05/2014, do CNJ, devido à prioridade absoluta com que devem ser tratados os direitos da criança e do adolescente, determinou-se a implementação de varas de competência exclusiva à infância e adolescência para comarcas que atendam mais de 100.000 habitantes. No entanto, a determinação não tem sido cumprida e há carência de equipes técnicas especializadas.

    O Brasil tem hoje mais de 47* mil crianças e adolescentes esquecidos em abrigos. É uma situação cruel e dramática, que envergonha o País. A edição 31 da Revista IBDFAM, lançada em maio, tratou do tema adoção. Prestes a completar 20 anos de existência, o IBDFAM se junta à causa da adoção com a proposta de um anteprojeto de Lei do Estatuto da Adoção, ponto de partida para o Projeto “Crianças Invisíveis”, que será lançado no XI Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, de 25 a 27 de outubro, em Belo Horizonte, do qual esta série, Um olhar sobre a adoção**, também faz parte.

    * Números oficiais do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas: 47.198, em 20 de junho de 2017 – Fonte: Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

    ** Consultoria: Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM.

    A foto de capa desta edição do Boletim Informativo foi gentilmente cedida por Eurivaldo Bezerra e faz parte do seu livro Filhos.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/serie-um-olhar-sobre-a-adocao/479447635

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