Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Aborto em casos de Zika vírus: “É inconstitucional a criminalização”, afirma defensora pública

    Relatores do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) declararam, de forma independente da Instituição, que negar o acesso ao aborto, nos casos em que as gestantes estejam infectadas com o vírus da Zika – causador da microcefalia –, pode ser considerado tortura. Para eles, tal tratamento, denominado “desumano”, também ocorre quando motivado pela discriminação de gênero, por exemplo. O manifesto, já enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, deverá integrar a ação apresentada pela Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP), defensora do acesso ao aborto para mulheres nesta situação. Com o objetivo de ingressar no processo e apoiar a Corte Suprema, o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS) utilizará o documento dos relatores como conteúdo principal de seu pedido.

    Procurador-geral da República, Rodrigo Janot defendeu, em setembro, o direito das mulheres em realizar o aborto, ante a possibilidade de os bebês nascerem com a doença, que causa malformação da cabeça e do cérebro. Todavia, no mesmo mês, o Senado Federal e a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestaram contra. “A ANADEP protocolou, perante o STF, uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), juntamente com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), em que, dentre outras matérias, defende-se a possibilidade de interrupção da gravidez pelas mulheres infectadas pelo vírus Zika. Trata-se da ADIN nº 5.581, cuja relatora é a ministra Cármen Lúcia”, esclarece Cláudia Tannuri, vice-presidente da Comissão dos Defensores Públicos da Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

    De acordo com ela, sustenta-se a inconstitucionalidade da criminalização do aborto em caso de contágio do vírus, “destacando-se que a continuidade forçada da gestação em que há certeza de infecção representa, no atual contexto de desenvolvimento científico, risco certo à saúde psíquica da mulher. Nesse sentido, impôr à mulher a continuidade da gestação em tais condições configura uma violação de seu direito fundamental à saúde mental e à integridade física e psíquica, bem como à garantia constitucional de uma vida livre de tortura e agravos severos evitáveis”, salienta. Ela ainda destaca que, quando há epidemia de Zika, as primeiras e principais atingidas são as mulheres, destacando-se ainda os altos índices de abandono paterno nos casos de microcefalia, impondo-se unicamente à mulher todas as responsabilidades e deveres.

    Tannuri afirma que isso não significa desvalor à vida humana, pois não se está criando imposição de interrupção da gravidez. A decisão será sempre da gestante, diante do diagnóstico de infecção pelo vírus. “Trata-se simplesmente do reconhecimento de que tomar a reprodução humana como dever, nessas condições, é impôr autêntico estado de tortura e imenso sofrimento mental às mulheres. Com efeito, em atenção ao direito fundamental à liberdade reprodutiva e ao planejamento familiar (artigo 226, § 7º, da Constituição Federal), a reprodução é um direito, e não um dever da mulher”, defende. Ela acrescenta, afirmando que também é feita alusão à ADPF 54, na qual, embora o julgamento tenha ficado restrito ao caso de interrupção da gravidez mediante diagnóstico de anencefalia, o STF reconheceu que a imposição da gravidez pode ser forma de tortura das mulheres, em alguns casos.

    “Assim, o Direito Penal é forma de recuperação e reafirmação da autoridade do estado por violação de direitos, não meio de tortura. A lei penal não pode esvaziar o sentido dos direitos fundamentais, criminalizando quem age em estado de necessidade (arts. 23, I, e 24 do Código Penal) causado por extremo sofrimento mental. Portanto, deve-se conferir interpretação conforme a CF aos arts. 124, 126, 23, I, e 24 do CP, para considerar que na interrupção da gestação em caso de infecção comprovada pelo vírus da Zika, deve ser reconhecida a existência de causa de justificação genérica de estado de necessidade, cabendo às redes pública e privada realizar o procedimento, nessas situações”, afirma a defensora pública.





    Portanto, o estado de necessidade configura-se, no caso, com perigo atual de dano à saúde provocado pela epidemia de Zika e agravada pela negligência do Estado brasileiro na eliminação do vetor. Para Tannuri, “é importante apontar as diversas omissões do Poder Público no acesso à informação, a cuidados de planejamento familiar e aos serviços de saúde. Assim, outro pedido formulado na ação é de que se determine ao Poder Público a adoção de diversas políticas públicas visando sanar tais omissões, entre elas a disponibilização de informações, entrega de material informativo e amplo acesso a todos os meios contraceptivos (devendo-se incluir também a realização de cirurgia de laqueadura, caso seja a vontade da mulher) às mulheres em situação vulnerável”.

    Ainda, segundo Cláudia Tannuri, trata-se do direito fundamental ao planejamento familiar, previsto no artigo 226, § 7º, da Constituição Federal, “o qual, infelizmente, não vem sendo adequadamente atendido e efetivado pelo Estado, principalmente para as mulheres mais pobres e em situação de vulnerabilidade”, opina.

    • Publicações4569
    • Seguidores502609
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1030
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/aborto-em-casos-de-zika-virus-e-inconstitucional-a-criminalizacao-afirma-defensora-publica/405404685

    Informações relacionadas

    Geovani Santos, Advogado
    Notíciashá 8 anos

    Legalização de aborto para grávidas com vírus zika em meio a surto de microcefalia gera debate

    Tribunal de Justiça de São Paulo
    Jurisprudênciahá 7 meses

    Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Agravo de Instrumento: AI XXXXX-33.2023.8.26.9015 Barueri

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)