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24 de Abril de 2024
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    Em entrevista sobre os 26 anos do ECA, especialista afirma que falta comprometimento, paixão, compaixão e empatia pela situação das crianças acolhidas

    Em 2016 o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 26 anos. Para falar sobre os desafios da Lei 8.069/90, convidamos a procuradora de Justiça da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel, vice-presidente da Comissão da Infância e da Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Em entrevista ao Boletim, ela explica que uma das marcas distintivas deste ordenamento, é não ser um código, mas ter a natureza de um microssistema uma base principiológica autônoma, institutos e instituições peculiares ao seu funcionamento. “Um dos elementos mais significativos da estrutura do microssistema dos direitos da criança e do adolescente é ter uma Justiça especializada e esta foi delineada com competências variadas, inclusive concorrentes com as de outras varas que atuam em proteção a todas as crianças como a justiça de família e justiça de órfãos e sucessões. Por ser uma lei destinada a todas as crianças, o ECA, portanto, não se aplica somente à vara da infância. O ECA passou a ser um dos instrumentos normativos mais importantes de diversas áreas do direito, notadamente quando se trata do direito à convivência familiar”, disse. E como um dos mais graves problemas que estão acontecendo, Kátia Regina afirma que falta comprometimento, paixão, compaixão, empatia pela situação das crianças acolhidas. Veja a entrevista:

    Qual é o balanço que a senhora faz relacionado a esses 26 anos de vigência do ECA?

    Falar de 26 anos do ECA significa trazer à memória imensas mudanças de mentalidade no atendimento de meninos e meninos brasileiros que viveram tristes fases que se iniciaram com a completa indiferença, seguida da terrível repressão através de leis penais destinadas aos adultos e culminando em institucionalizações massificadas em razão da pobreza de suas famílias. Estas injustiças levaram à intensa luta popular política e social que fundaram os alicerces do direito da criança e que foram fincados nos artigos 226, 227, 228 e 229 da Constituição Cidadã de 1988. Este repertório constitucional trata, sim, dos direitos infanto-juvenis, pois cuida da proteção do estado às várias espécies de famílias, da parentalidade responsável, dos deveres dos pais com relação aos filhos menores, da repressão à violência no seio familiar, da igualdade entre os filhos, da inimputabilidade das pessoas menores de 18 anos, dentre outros direitos fundamentais. O art. 227 é a fonte formal do direito infanto-juvenil brasileiro rompendo de vez com a doutrina da situação irregular que regia o “direito menorista” vigente (Lei n. 6.697/79) e erigindo a criança e o adolescente como cidadãos, sujeitos de direitos fundamentais prioritários. Nesta norma – art. 227 - estão contidos os princípios da corresponsabilidade, da prioridade absoluta, da proteção integral e onde estão enumerados diversos direitos fundamentais auto executáveis. Passou-se, então, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, à era ou à fase da declaração dos direitos na qual a criança e o adolescente passam a exercer seus direitos perante sociedade, família e poder público. Surge no Brasil a Doutrina da Proteção Integral. Não mais roda dos expostos, destituições sumárias do “pátrio poder”, não mais um atendimento desumanizado de crianças pobres. O Brasil precisava de um ordenamento interno próprio que cuidasse de nossas crianças.

    Vale aqui fazer um adendo. Já despontava no horizonte da Organização das Nações Unidas o primeiro tratado universal de direitos humanos que combinou direitos econômicos, sociais e culturais, bem como civis e políticos voltados para crianças. A Convenção dos Direitos da Criança, promulgada em 1989, adotou uma perspectiva abrangente no tratamento da situação das crianças e foi além das declarações iniciais nesta seara (Declaração de Genébra de 1924 e Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959), que se concentravam nas necessidades de proteção durante o desenvolvimento da criança, uma vez que a Convenção, também, contém disposições que garantem o respeito pela identidade da criança, autodeterminação, participação e manifestação destes seres humanos em formação. Com base no respeito pela dignidade humana, a Convenção reconhece toda a criança como detentora dos seus direitos humanos independentemente dos direitos dos pais ou de quaisquer outros adultos.

    A história do ECA começa neste momento em que o Brasil subscreve este importante documento internacional, em janeiro de 1990, e que foi promulgado pelo Decreto Executivo nº 99.710 de 21.11.1990. Neste contexto, entre a subscrição e aprovação da Convenção, surge em 13 de julho de 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8.069/90.

    Uma das marcas distintivas deste ordenamento, portanto, é não ser um código, mas ter a natureza de um microssistema uma base principiológica autônoma, institutos e instituições peculiares ao seu funcionamento. Um dos elementos mais significativos da estrutura do microssistema dos direitos da criança e do adolescente é ter uma Justiça especializada e esta foi delineada com competências variadas, inclusive concorrentes com as de outras varas que atuam em proteção a todas as crianças como a justiça de família e justiça de órfãos e sucessões. Por ser uma lei destinada a todas as crianças, o ECA, portanto, não se aplica somente à vara da infância. O ECA passou a ser um dos instrumentos normativos mais importantes de diversas áreas do direito, notadamente quando se trata do direito à convivência familiar.

    Mas, no novo modelo estatutário de proteção integral, o Juiz da infância não atua sozinho. Pelo contrário, nestes últimos 26 anos, passou-se a uma nova forma de atendimento, envolvendo um sistema de garantias de direitos composto por setores de defesa, promoção e controle que deve atuar de modo integrado e organizado para que o ECA seja efetivamente implementado em sua totalidade. Houve, assim, a desjurisdicionalização em vários aspectos, em atenção às novas instituições administrativas, notadamente com a criação dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares, atuando em cooperação e de modo integrado dentro do Sistema de Garantia dos Direitos.

    Há tantos projetos de lei para a reforma do ECA. Por que há uma paralisia do legislativo em conferir efetividade ao Princípio do Superior Interesse da Criança?

    O ECA não é e nunca almejou ser uma lei pronta e acabada. A sociedade a cada instante se transforma, como uma criança que cresce e se desenvolve diante das alterações normais da vida, o ECA também precisou se adaptar aos novos tempos e mudanças sociais, precisou se adequar no que tange à proteção do adolescente que trabalha; aperfeiçoar o instituto da adoção, disciplinar o procedimento de acolhimento, punir mais severamente determinados crimes, regulamentar o sistema de execução de medidas socioeducativas, conferir maior proteção às crianças vítimas de violência por seus cuidadores, enfim se transformar para atingir os anseios do mundo pós-moderno.

    O ECA é um jovem organismo vivo e, assim, vem trilhando um caminho de maturidade. Não podemos afirmar haver paralisia legislativa quando se trata de ECA: Foram 21 leis que o alteraram nestes 26 anos: Lei nº 8.242, de 1991, Lei nº 9.455, de 1997, Lei nº 9.532, de 1997, Lei nº 9.975, de 2000, Lei nº 10.764, de 2003, Lei nº 11.185, de 2005, Lei nº 11.259, de 2005, Lei nº 11.829, de 2008, Lei nº 12.010, de 2009, Lei nº 12.015, de 2009, Lei nº 12.038, de 2009, Lei nº 12.415, de 2011, Lei nº 12.594, de 2012, Lei nº 12.696, de 2012, Lei nº 12.955, de 2014, Lei nº 12.962, de 2014, Lei nº 13.010, de 2014, Lei nº 13.046, de 2014, Lei nº 13.106, de 2015, Lei nª 13.257, de 2016 e Lei nº 13.306, de 2016. Destas leis, vale acentuar a importância das promulgadas a partir de 2009: Lei nº 12.010/2009 (Lei da Convivência Familiar), a primeira grande revolução no texto estatutário; a Lei nº 12.594/2012 (Lei do SINASE, que trata da execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional), a Lei nº 13.010/2014 (Lei Menino Bernardo –que estabeleceu o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante) e a recente Lei nº 13.257/2016 (Marco da Primeira Infância).

    Quais as falhas observadas na lei da adoção?

    Prefiro não denominar a Lei nº 12.010 de Lei de Adoção. Em primeiro lugar porque ela não teve o fito de apenas tratar deste instituto, embora o tenha aprimorado bastante; em segundo lugar porque as alterações efetuadas vieram, pelo contrário, dar mais destaque à importância da elaboração de políticas públicas de proteção e suporte às famílias naturais carentes e alterar a forma de aplicação das medidas mais delicadas do ECA: o acolhimento institucional e a colocação em família substituta. Em terceiro lugar porque traçou uma linha de princípios aplicáveis às medidas protetivas que englobam, na verdade, toda uma interpretação sistemática dos institutos estatutários, que refletem a preocupação do legislador em assegurar à criança e ao adolescente uma família. Uma família responsável que garanta ao filho o seu superior interesse, a sua prioridade absoluta e a sua proteção integral, mas que, caso assim não aja e violar os direitos fundamentais da prole, deve ser afastada com base nos princípios da intervenção precoce, mínima, proporcional e atual, assegurando-se ao filho uma família afetiva, seja no próprio âmbito biológico seja no adotivo. Mas como toda lei, a Lei n. 12.010 possui falhas. Esta Lei deixou de enfrentar questões relevantes que estão sendo paulatinamente sedimentadas na seara jurisprudencial, como a prioridade na adoção por guardiães fáticos que embora não estejam habilitados tenham afetividade recíproca com a criança. De igual modo, aquela lei não tratou mais amiúde da adoção intuitu personae; da inserção do nome de crianças/adolescentes no cadastro nacional de adotáveis quando os pais estiverem em local incerto e não sabido e não houver família extensa afetiva; a questão da adoção pelo par homoafetivo; a previsão expressa da possibilidade do restabelecimento do poder familiar de crianças/adolescentes que não foram adotadas quando efetivamente as causas não mais existem e ainda há vínculos de afetividade/afinidade parento/filial, dentre outras questões importantes.

    Por que existem tantas crianças em abrigos?

    Não existe mais a terminologia “abrigo” deste 2009. A medida protetiva de abrigo passou a ser denominar acolhimento institucional e foi disciplinada detalhadamente pela Lei nº 12.010 (Lei da Convivência Familiar). Ante as falhas iniciais do ECA que não previa o prazo máximo das institucionalizações, aquela lei, pelo § 2o do art. 19 passou a limitar a permanência de crianças e de adolescentes em programa de acolhimento institucional até 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. Em suma, ao cabo de dois anos, a criança ou o adolescente deverá estar com sua situação jurídica definida e, para tanto, se faz indispensável que o trabalho de conhecer a história do acolhido para que se formule estratégias sem demora por todos os componentes da rede de proteção, para que haja pronta reintegração ao seio familiar (inclusive ampliada) ou inserção em família substituta. Durante o período de institucionalização, portanto, como regra, deve ser mantido o vínculo com a família de origem. Preceitua o § 3º do art. 19 do ECA que a manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. Veja-se, ainda, que o Estatuto infantojuvenil não exige para a reintegração familiar que a referência da criança institucionalizada seja uma família ideal ou perfeita, mas sim que desenvolva recíprocos vínculos de afeto com ela e não viole seus direitos fundamentais de filho. A afinidade e afetividade com a família de origem ou extensa, portanto, passaram a ser essenciais para a reintegração familiar do acolhido, uma vez que aquela foi normalmente foi a causadora da violação dos direitos que ensejaram a aplicação desta medida de afastamento do seio familiar.

    Ademais, a Lei da Convivência Familiar retirou das mãos exclusivas do Conselho Tutelar a aplicação desta medida protetiva e retornou à necessidade de uma decisão judicial (art. 101, § 2º). Acrescente-se que foi traçado um trajeto para este procedimento de acolhimento, quando anteriormente à 2009, não havia um parâmetro de atuação. Desde 2009, assim, passou a ser indispensável a expedição de uma guia de acolhimento (art. 101, § 3º), a elaboração um plano individual de atendimento (art. 101, § 4º) e a reavaliação semestral com relatório circunstanciado da equipe técnica da instituição (art. 92, § 2º).

    Como se nota, com o advento da Lei nº 12.010 de 2009 houve um verdadeiro reordenamento da medida de abrigo, a partir da mudança de sua nomenclatura para acolhimento institucional, da vinculação aos princípios norteadores, da observância de prazo de reavaliação e de duração, bem como a previsão expressa do direito da criança acolhida de ter o seu registro de nascimento regularizado com o nome do pai imediatamente quando ingressar no sistema de institucionalização (art. 102, § 3º).

    Ao lado do acolhimento em entidade foi criada também a medida de acolhimento familiar (art. 101, VIII do ECA), de maneira a evitar que os infantes, crianças e adolescentes permanecessem em instituições, locais onde o atendimento é massificado e não individualizado, e fossem inseridos em casas de pessoas cadastradas para efetuar seus cuidados (famílias acolhedoras).

    Estas duas medidas de acolhimento são, por óbvio, deveriam ser aplicadas de maneira excepcional e são provisórias, priorizando-se o acolhimento familiar ao institucional (art. 34, § 1º)

    Cabe registrar que esta lei impôs que a autoridade judiciária, leia-se Juiz da Infância, manterá, em cada comarca ou foro regional, um cadastro contendo informações atualizadas sobre as crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar e institucional sob sua responsabilidade, com informações pormenorizadas sobre a situação jurídica de cada um, bem como as providências tomadas para sua reintegração familiar ou colocação em família substituta, em qualquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. (art. 101, § 11).

    Isto significa dizer que nenhuma criança ou adolescente pode ficar esquecido em uma entidade de acolhimento ou em uma família acolhedora. A inserção desta criança acolhida deve ser prioridade de toda rede protetiva, de todo o sistema de garantia de direitos. Ocorre que, este cadastro, em algumas comarcas do país, ainda não foi implementado pelo Poder Judiciário, embora o Provimento nº 36 do CNJ recomende aos coordenadores dos juízos de infância que fiscalizem esta implementação e o art. 258-A e parágrafo único do ECA também preveja como infração administrativa praticada pela autoridade competente, ainda permanece a omissão na instalação e operacionalização dos cadastros de habilitados e de crianças e adolescentes adotáveis em municípios do Brasil, em detrimento dos direitos dos acolhidos.

    Para o controle numérico e qualitativo do atendimento de acolhimento, no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o Ministério Público do RJ criou e implantou o Módulo Criança e Adolescente que é um sistema interno destinado à manutenção de um cadastro eletrônico sobre a condição social e jurídica de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional, alimentado com regularidade pela rede de proteção (criado em maio de 2007, pela Resolução GPGJ nº 1.369). O último censo, com data de corte em 30/6/2014, demonstra que há 2.137 crianças e adolescentes cadastrados em instituições (acolhimento familiar e outros) no Estado do Rio de Janeiro, a maioria por negligência, abandono e situação de rua, estando 972 sem convivência com familiares e 57 sem registro de nascimento. Dentre este quantitativo 72 são órfãos, 1910 possuem pai e mãe vivos, 6 com pais e mães desconhecidos e 149 com pais destituídos do poder familiar. Destaca-se, ainda, que 228 estão aptos para serem inseridos em família substituta. Disponível em:http://mca.mp.rj.gov.br/wp-. Acesso: 18 jan. 2015.

    Embora o quantitativo de crianças/adolescentes sob medida de acolhimento (familiar e institucional) tenha diminuído significativamente nos últimos 10 anos, lamentavelmente, ainda há um grande número de crianças/adolescentes que permanecem sem convivência familiar ou vistas, embora tenham as destituições de poder familiar já julgadas e seus nomes inseridos no cadastro de adoção. Este problema doloroso ocorre pela ausência de políticas públicas e esclarecimentos à sociedade acerca do dever de todos de assegurarem a estes meninos e meninas o direito de estarem inseridos em uma família.

    O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária destaque expressamente a importância da busca ativa de adotantes nos seguintes termos: “Não se trata mais de procurar crianças para preencher o perfil desejado pelos pretendentes, mas sim de buscar famílias para crianças e adolescentes que se encontram privados da convivência familiar. Isso pressupõe o investimento na conscientização e sensibilização da sociedade acerca desse direito das crianças e adolescentes e no desenvolvimento de metodologias adequadas para a busca ativa de famílias adotantes”. Todavia, há poucos projetos neste sentido e pouca divulgação de programas e campanhas de estímulo à adoção tardia e à adoção de crianças e adolescentes que não se enquadrem no perfil usualmente buscado pelos pretendentes à adoção.

    “Tempo dos processos relacionados à adoção no Brasil – uma análise sobre os impactos da atuação do Poder Judiciário”, encomendada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), realizada em oito comarcas de diferentes regiões do país, com base em dados de 2013, constatou-se que: Dos 33.474 pretendentes à adoção inseridos no CNA, apenas 21% aceitam adotar irmãos e apenas 308 aceitam adotar crianças com 10 anos de idade. Das 5.530 crianças e adolescentes cadastrados, 4.322 possuíam mais de 10 anos de idade. Nota-se, pois, que ainda, há muito preconceito com a adoção tardia.

    Diante da necessidade de uma busca ativa por pretendentes à adoção e de dar uma visibilidade maior às crianças e aos adolescentes acolhidos que desejam uma família, aumentando o número de adoções necessárias (grupos de irmãos, crianças com doenças crônicas ou deficientes; mais velhas) foi implantado em 2015 no MPRJ o Sistema “Quero uma Família” , com o fito de facilitar uma “busca ativa” contendo informações de crianças e adolescentes adotáveis, para acesso aos habilitados, mediante cadastramento e fornecimento de senhas. São inseridos no Sistema os acolhidos que não estão no perfil mais procurado para adoção, especialmente grupos de irmãos, crianças maiores, adolescentes, bem como aqueles com deficiência ou necessidades especiais de saúde.

    E em sua opinião, o que mais grave está ocorrendo?

    A demora na resolução dos procedimentos de destituição do poder familiar e de adoção. Embora a Lei de 2009 tenha sido expressa em impor o prazo máximo de 120 dias para conclusão destes processos (a ADPF é pressuposto lógico da colocação em família adotiva), os processos têm se arrastado em demasia na busca de família naturais desinteressadas e cujos paradeiros são desconhecidos, valorizando-se sobremaneira a localização e manifestação de famílias negligentes e de famílias extensas sem vínculo de afinidade/afetividade com seus pequenos, em detrimento da vida e futuro de uma criança institucionalizada que deseja ser inserida em uma família afetiva.

    Acolhimento institucional não pode ser jamais visto como uma prisão. Devemos olhar com seriedade a situação de sofrimento destas crianças, estar no lugar delas e compreender que aguardam um movimento nosso. Para que isto ocorra, é essencial que o ser humano esteja comprometido com a desinstitucionalização e na inserção destas crianças em uma família, através da empatia, como um antídoto para o preconceito e para a negação. Empatia é uma arte de construção de um mundo mais justo e humano. Uma arte de se colocar no lugar do outro por meio da imaginação, compreendendo seus sentimentos e perspectivas e usando esta compreensão para guiar as próprias ações (Roman Krznaric: O Poder da Empatia: a arte de se colocar no lugar do outro para transformar o mundo, p. 1).

    Em resumo: falta comprometimento, paixão, compaixão, empatia pela situação das crianças acolhidas.

    O sistema de garantia como um todo precisa ser mais célere e atuante. A sociedade necessita ser mais sensível ao apadrinhamento de famílias e de crianças; sensível às crianças doentes, deficientes e mais velhas que dificilmente são inseridas em famílias adotivas.

    O que ainda precisa avançar?

    Um trabalho mais empático e rápido do Sistema de Garantia de Direitos Infanto-juvenis. cujo conceito está expresso na Resolução nº 113/2006 do CONANDA, e constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal, articulando-se com todos os sistemas nacionais de operacionalização de políticas públicas, especialmente nas áreas da saúde, educação, assistência social, trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores e promoção da igualdade e valorização da diversidade, além de articular-se com os sistemas congêneres de nível interamericano e internacional (art. 1º, caput e §§ 1º e 2º). Falando de uma maneira mais direta, o SGDCA é formado pela integração e a articulação entre o Estado, as famílias e a sociedade civil como um todo, para garantir que as conquistas do ECA e da Constituição de 1988 não sejam letra morta. Todos temos um papel importante a desempenhar. Todos temos deveres institucionais a serem desenvolvidos em prol das crianças. A divisão em defesa, controle, promoção nos ajuda a entender em quais campos age cada ator envolvido, mas não sozinho, sempre em equipe, em cooperação, mas principalmente com empatia.

    Trocando em miúdos, toda vez que o caso de uma criança/adolescente nos chega às mãos ou quando situações vivenciadas por nossas crianças dependem da rede de proteção, devemos fazer preventivamente e rapidamente o melhor possível. Devemos agir atentos às subjetividades de cada caso deixando de atuar por atacadão. Precisamos combater o deficit de empatia que estagnou o sistema como um todo. A empatia com a situação do acolhido deve ser vista como uma força coletiva que pode alterar os contornos da atual situação de nossa infância e que expande as fronteiras de nossos universos morais e promove uma profunda mudança social. O ato de empatizar começa quando olhamos a criança institucionalizada nos olhos, damos-lhes um nome e reconhecemos a sua individualidade. Com este canal de conexão com o acolhido, compreendemos a sua necessidade. Muitos e muitos atores do sistema comprometidos com a causa da infância desenvolveram e desenvolvem ações de empatia para com nossas crianças e o primeiro passo é conhecer as suas histórias, fazer deles participantes de suas próprias vidas e tentar amenizar o sofrimento que elas estão experimentando. Isto acarreta uma revolução das relações humanas que precisamos ter dentro do sistema. A empatia é um instrumento de motivação para a ação do sistema de garantia de direitos infantojuvenis.

    A participação da criança na sociedade é um elemento indispensável. Ela está expressa na Convenção sobre os Direitos da Criança e no ECA que consagraram a ideia de que a criança não pode ser ignorada em sua opinião sobre os aspectos que lhe dizem respeito, atendendo à capacidade que ela tem de exprimir a própria opinião (art. 100, parágrafo único, XII). Sua participação social significa que ela tem voz, deve ser escutada (uma escuta empática). O CONANDA com muita sensibilidade percebeu esta necessidade de aperfeiçoamento do atendimento do sistema e editou a Resolução 169 em 2014. Devemos tratar a criança com muito respeito, muita dignidade e amor como uma pessoa autônoma e responsável. Os problemas das crianças não são menores dos que os nossos, a solidão e ausência de afeto que as afetam podem trazer traumas imensos em sua vida adulta. A comunicação com os pequenos se dá através de ações afetivas e empáticas. Devemos ter um olhar sensível e não técnico nas demandas de nossas crianças só assim a solução de seus problemas será mais efetiva.

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