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23 de Abril de 2024
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    Turma do STJ permite retirada de sobrenome em virtude de casamento

    O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível suprimir sobrenome materno por ocasião do casamento, desde que demonstrado justo motivo e que não haja prejuízo a terceiros. A Terceira Turma do STJ entendeu que a supressão devidamente justificada efetiva importante direito da personalidade, desde que não prejudique a plena ancestralidade nem a sociedade. A ação foi iniciada com a solicitação de retirada do sobrenome materno e paterno da certidão de casamento da mulher, por não representar sua legítima vida familiar.

    A sentença e o acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) admitiram que fosse retirado o sobrenome materno, porém mantido pelo menos o paterno, possibilitando o acréscimo dos sobrenomes do marido. No entanto, no recurso ao STJ, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) afirmou que a supressão do sobrenome não encontra apoio no ordenamento jurídico brasileiro, que somente faz referência à possibilidade de acréscimo do sobrenome, e não da sua exclusão. De acordo com o ministro e relator do recurso, Ricardo Villas Bôas Cueva, a alteração do registro civil é admitida em caráter excepcional, por decisão judicial, nas hipóteses legais, devendo ser justificada e não prejudicar a terceiros.

    Segundo o ministro, apesar de o artigo 57, parágrafo 2º, da Lei de Registros Publicos (Lei 6.015/73) e artigo 1.565, parágrafo 1º, do Código Civil expressarem apenas a possibilidade de acréscimo ao nome de quaisquer um dos noivos, a interpretação jurisprudencial caminha para outra solução. Villas Bôas Cueva explicou que o nome deve retratar a própria identidade psíquica do indivíduo e que sua função é identificar o núcleo familiar da pessoa, de forma a evidenciar a verdade real, ou seja, a unidade familiar no caso concreto. Ele assegurou que não existe no ordenamento jurídico qualquer impedimento para a supressão de apenas um dos sobrenomes. Conforme os autos, o pedido foi justificado pelo fato de a requerente ter sido renegada durante a vida por sua família materna. Além disso, a supressão do sobrenome não impedirá sua identificação no âmbito social e realiza o princípio da autonomia de vontade.

    A juíza Ana Florinda Mendonça Dantas, presidente do Instituto de Direito de Família de Alagoas (IBDFAM/AL), observou a decisão como mais um exemplo em que pessoas com conflitos psicológicos têm buscado solução na judicialização da questão, uma vez que a alteração do nome não apaga por si só uma história familiar. “No entanto, a imutabilidade é uma das características essenciais do nome, genericamente referido, uma vez que se trata de um registro de identificação das pessoas que interessa não apenas ao identificado, mas também possui uma função pública e social, tratando-se, inclusive, de elemento que atende ao princípio da segurança jurídica. É evidente, contudo, que nenhum princípio pode ser tido como absoluto, e em algumas situações excepcionais a interpretação da norma pode criar a possibilidade de sua alteração, e este parece ter sido o fundamento do acórdão. Devo, contudo, manifestar minha opinião no sentido de que, com o respeito que merece o entendimento do Ministro, o nome não se destina a retratar a identidade psíquica do indivíduo, mas sim, como ele mesmo reconheceu, a identificar o núcleo familiar da pessoa, o que nem sempre evidencia a verdade real, ou seja, a unidade familiar no caso concreto, e nisto consiste a contradição presente no voto”, afirma.

    Segundo Ana Florinda Dantas, a imutabilidade, como princípio, não se coaduna com a verdade psíquica, que é essencialmente mutável, pois a dinâmica do psiquismo é própria do ser humano, e uma pessoa que, como a autora do caso concreto, se sinta rejeitada pela família num respectivo momento, pode se reconciliar posteriormente com os familiares. “E como ficará? Voltará a usar o nome para estar adequado ao seu estado emocional e psíquico? Por tais razões, a autonomia da vontade encontra anteparo em algumas regras que, embora façam parte do direito da personalidade, também atendem ao interesse geral do tráfego jurídico, como é o caso do nome, e por tais motivos muitos países não admitem a supressão de nomes, mas apenas o acréscimo, a exemplo de Portugal, e outros, que não permitem sua alteração, como a França. Concluo entendendo que a motivação alegada não justifica a supressão dos sobrenomes materno e paterno, ao mesmo tempo, retirando assim o histórico familiar registral da pessoa, com fortes implicações na sua identificação, além de contribuir para o acirramento das mágoas familiares, sem aqui mencionar a possibilidade de ser usado o precedente para encobrir situações fraudulentas”, argumenta.

    De acordo com a juíza, os direitos da personalidade têm por fundamento o princípio da dignidade humana, constando do artigo , caput, da nossa Constituição, como direitos fundamentais da pessoa, havendo sido incluídos na parte geral do Código Civil em capítulo próprio (artigos 11 a 21). “São assim identificados como aqueles inerentes à pessoa, como o nome, a imagem, a intimidade, a honra e a integridade física e psíquica. O nome, como direito da personalidade, é tutelado nos artigos 16 a 19 do Código Civil, e toda pessoa tem direito a um nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”, explica.

    Lei dos Registros Publicos - Ana Florinda esclarece que a Lei dos Registros Publicos (Lei nº 6.015/73), distingue o prenome (ou nome, no sentido estrito), do sobrenome ou apelido, que é a referência familiar, e traz algumas possibilidades de alteração dos dois. Segundo ela, no caso do sobrenome, a hipótese mais frequente é a prevista no Código Civil, decorrente do casamento, quando qualquer um dos noivos pode acrescer ao seu o sobrenome do outro (artigo 1.565, § 1º), embora não autorize a supressão de sobrenomes. “No entanto, a interpretação jurisprudencial da matéria se encaminhou no sentido de possibilitar a supressão de um só deles, evitando os nomes muito longos, sendo da tradição do Direito brasileiro que a mulher acrescente os apelidos de família do marido, o que era uma regra do antigo Código Civil, de 1916, mantendo-se um dos sobrenomes para preservar a identificação familiar, mas é evidente que a supressão pode ocorrer tanto do sobrenome materno como do paterno. Na hipótese de divórcio, a alteração pode ser feita para suprimir o sobrenome acrescido, se a pessoa voltar a usar o nome de solteira. A Lei de Registros Publicos enumera algumas outras situações em que o sobrenome pode ser alterado, como o exemplo do nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional; a averbação do patronímico na união estável; a averbação pelo enteado ou a enteada, do nome de família do padrasto ou madrasta, desde que haja expressa concordância destes, mas sempre sem prejuízo de apelidos de família, o que conduz à interpretação de que a regra é o acréscimo e não a supressão”, aponta.

    A magistrada aponta que, nesses casos, deve ser observada a regra do artigo 57, da Lei nº 6.015/73, que determina que a mudança posterior do nome só cabe como exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, sendo permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração, pela imprensa, ressalvada a hipótese do artigo 110, que permite a mudança do nome quando há erro de grafia evidente e a possibilidade de alteração pelo próprio cartório, mediante requerimento do interessado.

    Ana Florinda ainda elucida que existe a possibilidade de mudança de registro em outros casos excepcionais, como quando um estrangeiro é admitido no Brasil, seja na condição de permanente ou temporário, ou mesmo no caso de pessoas asiladas, em que estas devem se registrar no Ministério da Justiça com o nome e a nacionalidade constantes no documento de viagem (artigo 30 da Lei nº 6.815/80). “Se o nome for impronunciável ou exótico a ponto de expô-lo ao ridículo, e em que o nome estrangeiro pode ser traduzido ou adaptado à língua portuguesa (Lei nº 6.815/80, artigos 43 e 44). Por fim, o nome ainda pode ser modificado no caso da Lei nº 9.807/99 para assegurar proteção à testemunha, à vítima e aos seus familiares que colaborem com as investigações policiais ou processo criminal”, completa.

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