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25 de Abril de 2024
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    A trajetória do divórcio no Brasil: A consolidação do Estado Democrático de Direito

    Foram quase dois séculos de luta pela emancipação do Brasil como Estado Democrático de Direito e pelas garantias dos direitos individuais. No Brasil Império, inúmeras foram as tentativas de redução do poder da Igreja em matérias do Estado e, no Brasil República, de diminuição da interferência do Estado na vida privada. O divórcio direto no Brasil é uma conquista política e social da sociedade brasileira, como se verá, a seguir.

    1827 - Com a proclamação da independência e a instauração da monarquia (1822-1899), o Brasil permaneceu sob influência direta e incisiva da Igreja, em matéria de casamento. O Decreto de 03.11.1827 firmava a obrigatoriedade das disposições do Concílio de Trento e da Constituição do Arcebispado da Bahia, consolidando a jurisdição eclesiástica nas questões matrimoniais.

    1861 - No Brasil Império, houve a primeira flexibilização da Igreja Católica. Decreto 1.144, de 11.09.1861 regulou o casamento entre pessoas de seitas dissidentes, de acordo com as prescrições da respectiva religião. A inovação foi passar para a autoridade civil a faculdade de dispensar os impedimentos e a de julgar a nulidade do casamento. No entanto , admitia-se apenas a separação pessoal.

    1889 - Proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, houve a separação entre a Igreja e o Estado e a necessidade de regular os casamentos.

    1891 - Ante a persistência da realização exclusiva do casamento católico, foi expedido novo Decreto, no 521, em 26 de junho de 1890, dispondo que o casamento civil, deveria preceder as cerimônias religiosas de qualquer culto. Foi disciplinada a separação de corpos, sendo indicadas as causas aceitáveis: adultério; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do domicílio conjugal por dois anos contínuos; e mútuo consentimento dos cônjuges, se fossem casados há mais de dois anos.

    1893 - o Deputado Érico Marinho apresentava no Parlamento a primeira proposição divorcista. Em 1896 e 1899, renovava-se a tentativa na Câmara e no Senado.

    1900 - O deputado provincial Martinho Garcez ofereceu, no Senado, projeto de divórcio vincular. A proposição foi repelida.

    1901 - O jurista Clóvis Beviláqua apresenta, após seis meses de trabalho, seu projeto de Código Civil. Duramente criticado pelo então senador Rui Barbosa e por vários juristas, seu projeto sofreu várias alterações até sua aprovação, em 1916. Tal como no direito anterior, permitia-se o término da sociedade conjugal por somente por via do desquite, amigável ou judicial. A sentença do desquite apenas autorizava a separação dos cônjuges, pondo termo ao regime de bens. No entanto, permanecia o vínculo matrimonial. A enumeração taxativa das causas de desquite foi repetida: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e abandono voluntário do lar conjugal (art. 317). Foi mantido o desquite por mútuo consentimento (art. 318). A legislação civil inseriu a palavra desquite para identificar aquela simples separação de corpos.

    1934 -A indissolubilidade do casamento torna-se preceito constitucional na Constituição do Brasil, de 1934.

    1937 - A Constituição de 10 de novembro de 1937 reiterou que a família é constituída pelo casamento indissolúvel, sem se referir à sua forma (art. 124). O mesmo preceito foi repetido nas constituições de 1946 e de 1967.

    1946 - Ainda na vigência da Constituição de 1946, várias tentativas foram feitas no sentido da introdução do divórcio no Brasil, ainda que de modo indireto. Seria acrescentada uma quinta causa de anulação do casamento por erro essencial, consistente na incompatibilidade entre os cônjuges, com prova de que, após decorridos cinco anos da decretação ou homologação do desquite, o casal não restabelecera a vida conjugal. Proposta também emenda constitucional visando a suprimir da Constituição a expressão "de vínculo indissolúvel", do casamento civil.

    1969 - De acordo com a Carta outorgada pelos chefes militares (Emenda Constitucional n. 1/69), qualquer projeto de divórcio somente seria possível com a aprovação de emenda constitucional por dois terços de senadores (44) e de deputados (207).

    1975 - Apresentada emenda a Constituição de 1969 (EC n. 5, de 12.03.1975), permitindo a dissolução do vínculo matrimonial após cinco anos de desquite ou sete de separação de fato. Em sessão de 8 de maio de 1975, a emenda obteria maioria de votos (222 contra 149), porém insuficientes para atingir o quorum exigido de dois terços.

    1977 - O divórcio foi instituído oficialmente com a emenda constitucional número 9, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela lei 6515 de 26 de dezembro do mesmo ano. De autoria do senador Nelson Carneiro, a nova norma foi objeto de grande polêmica na época, principalmente pela influência religiosa que ainda pairava sobre o Estado. A inovação permitia extinguir por inteiro os vínculos de um casamento e autorizava que a pessoa casasse novamente com outra pessoa.

    Até o ano de 1977, quem casava, permanecia com um vínculo jurídico para o resto da vida. Caso a convivência fosse insuportável, poderia ser pedido o 'desquite', que interrompia com os deveres conjugais e terminava com a sociedade conjugal. Significa que os bens eram partilhados, acabava a convivência sob mesmo teto, mas nenhum dos dois poderia recomeçar sua vida ao lado de outra pessoa cercado da proteção jurídica do casamento. Naquela época, também não existiam leis que protegiam a União Estável e resguardavam os direitos daqueles que viviam juntos informalmente.

    A Lei do Divórcio, aprovada em 1977, concedeu a possibilidade de um novo casamento, mas somente por uma vez. O 'desquite' passou a ser chamado de 'separação' e permanecia, até hoje, como um estágio intermediário até a obtenção do divórcio. Foi com a Constituição de 1988 que passou a ser permitido divorciar e recasar quantas vezes fosse preciso.

    1988 - A Constituição de 1988, em seu artigo 226, estabelece que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, mas desde que cumprida a separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos". Merece destaque especial, no texto da Constituição e seu regulamento no Código Civil (2002), o reconhecimento de outras formas de constituição familiar, além da via do casamento, incluindo o reconhecimento de uniões estáveis.

    1989 - A Lei 7.841, de 17.10.1989, revogou o art. 38 da Lei do Divórcio (1977), eliminando a restrição à possibilidade de divórcios sucessivos.

    2007 - Promulgada a lei 11441 de 4 de janeiro de 2007 - O divórcio e a separação consensuais podem ser requeridos por via administrativa. Dispensa a necessidade de ação judicial, bastando que as partes compareçam assistidas por um advogado, a um cartório de notas e apresentar o pedido. Tal facilidade só é possível quando o casal não possui filhos menores de idade ou incapazes e desde quenão haja litígio.

    2009 - A Lei 12.036 de 1º.10.2009 modificou a Lei de introdução ao Código Civil (Art. 7º§ 6º), compatibilizando o lapso temporal do divórcio realizado no estrangeiro com a sistemática constitucional.

    2010 - Aprovada em segundo turno a PEC do Divórcio, restando sua promulgação pelas respectivas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal. A pretensão normativa foi sugerida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), pretendendo modificar o § 6º do art. 226 da Constituição Federal. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, sendo suprimido o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. Aprovado, finalmente, o divórcio direto no Brasil.

    * Estado democrático de direito: é um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Em um Estado de Direito, as próprias autoridades políticas estão sujeitas ao respeito da regra de direito.

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    6 Comentários

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    A começar pelos famosos (http://www.oestadoonline.com.br/2015/06/levei-um-tiro-na-alma-diz-zilu-godoi-sobre-fim-do-casamento-com-zeze-di-camargo/), o divórcio foi banalizado.
    Estamos na primeira geração adulta de filhos de pais divorciados e que também está se separando.
    Essa característica social - eu encaro como uma fissura - precisa ser mais estudada e ter suas causas conhecidas, pois o impacto do divórcio é não só na família, mas na sociedade.
    No MS, um dos maiores índices de divórcio do país, já tem livro sendo lançado para comentar a situação: http://www.oestadoonline.com.br/2015/06/livro-que-trata-sobre-amoreseparacao-sera-lancado-amanha/ continuar lendo

    É, vendo a matéria aqui a igreja lutou muito para manter o casamento, mas agua mole pedra dura tanto bate até q fura, hj as igrejas se preocupam só consigo mesmo... continuar lendo

    Hoje os filhos são até assassinatos pelo pai ou mãe para esses se casar de novo. Divórcio devia ser revogado. continuar lendo

    filhos de satanás, convertei-vos e creiais na verdade que é jesus, com MARIA mãe de DEUS paz e bem. continuar lendo

    Na verdade estamos diante da total banalização do divórcio. Já ouvi mais de uma vez "A gente casa e se não der certo, divorcia!". Essa facilidade criada pelo Legislador, longe de atender aos reais interesses da FAMÍLIA, criou uma geração de filhos com 'meio pai' 'meia mãe', que acabaram perdendo o vínculo da verdadeira afetividade que só se encontra no seio familiar. Raro um encontro entre 'duas famílias' com bons resultados... imagina encontro de três ou quatro! Claro que há casos em que o divórcio é a única salvação para uma mulher que ao se casar se tornou um saco de pancada, mas a abertura foi grande demais. Ainda colheremos os frutos amargos na próxima geração. Afinal, no Brasil o divórcio ainda é um mocinho desejado por muitos casais incautos, que se casaram sem nenhuma maturidade. continuar lendo

    A definição de família não está ligada ao casamento, graças a Deus por isso! continuar lendo