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19 de Abril de 2024

TJGO determina que viúva tem direito à herança, mesmo com regime de separação de bens

O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) Carlos Alberto França, julgou improcedente o pedido de um homem que perdeu o irmão e desejava ter a posse dos bens da viúva do falecido. O juiz entendeu que, independentemente do regime de bens adotado no casamento, o cônjuge tem direito à herança, na ausência de filhos ou pais do falecido.

Durante o pedido, o autor da ação alegou que, na ocasião do matrimônio, o irmão optou pela separação obrigatória de bens, e como o casal não teve filhos e os pais já são falecidos, o reclamante argumentou ser o herdeiro legítimo de um lote e uma casa no Jardim Nova Esperança, em Goiânia, local em que a viúva reside.

Em primeiro grau, a juíza da 19ª Vara Cível e Ambiental da Comarca, Juliana Barreto, julgou improcedente o pedido do autor. Com isso, o homem recorreu, mas Carlos Alberto França negou seguimento à apelação. Para o desembargador, a cônjuge sobrevivente precede o autor na ordem de vocação hereditária, razão pela qual recebeu a totalidade da herança, sendo irrelevante o regime de bens que regulou o casamento.

O magistrado embasou sua decisão no artigo 1.829 do Código Civil, que dispõe sobre a sucessão legítima, deferida primeiramente aos filhos, em seguida aos pais, depois aos cônjuges sobreviventes e, por último, aos colaterais, no caso, os irmãos. Carlos França também citou o artigo 1.838 do mesmo Código, que prevê o deferimento total da herança ao viúvo ou à viúva, no caso de ausência de descendentes e ascendentes.

Separação de bens – Para o advogado Mário Luiz Delgado, presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a decisão judicial está absolutamente correta, pois não existe concorrência do cônjuge com os colaterais, muito menos precedência destes sobre aquele. “O cônjuge se situa na terceira classe da ordem da vocação hereditária. Inexistindo descendentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente recolhe a totalidade da herança, pouco importando o regime de bens do casamento. A pretensão concreta do irmão do de cujus de receber a herança, alegando que o regime de bens do casamento era o da separação obrigatória de bens, não tinha fundamento e partia do equívoco de imaginar que o artigo 1829, I do Código Civil de 2002 teria vinculado, necessariamente, o direito sucessório do cônjuge sobrevivente ao regime matrimonial de bens pactuado. Não é verdade. O regime de bens só influi no direito de concorrência do cônjuge com os descendentes, e nada mais. Os demais direitos sucessórios do cônjuge não possuem qualquer vinculação com regime de bens”, explica.

Segundo Mário Delgado, o cônjuge, mesmo casado sob o regime da separação obrigatória, na vigência do Código anterior, já herdava a totalidade da herança, bastando que não houvesse descendentes ou ascendentes. “Essa regra foi mantida. Não se trata de comunicação de patrimônio, não se podendo confundir regime de bens com direito sucessório. Com a morte, extinguiu-se o regime, e o que está em discussão é o direito sucessório do cônjuge”, expõe.

De acordo com Mário Delgado, o regime da separação obrigatória de bens constitui exceção à regra geral de concorrência entre cônjuge e descendentes; assim, no caso concreto, se o de cujus tivesse deixado descendentes, estes receberiam a integralidade da herança e o cônjuge nada receberia. “Portanto, duas advertências devem ser feitas. A primeira é que o regime da separação obrigatória só produzirá, na sucessão hereditária, algum efeito, se existirem descendentes do autor da herança. Não havendo descendentes, não precisamos sequer indagar qual foi o regime de bens do casamento, pois o cônjuge terá assegurado os seus direitos sucessórios. A segunda é que não se deve confundir os regimes da separação obrigatória e o da separação convencional de bens. O convencional é aquele eleito pelos cônjuges através de pacto antenupcial e encontra-se previsto e disciplinado nos artigos 1.687 e seguintes, do Código Civil. O regime da separação obrigatória é aquele imposto por lei para pessoas que contraírem o matrimônio com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento: forem maiores de setenta anos ou que dependerem, para casar, de suprimento judicial (artigo 1.641)”, disse.

Mário Delgado aponta que as regras são semelhantes para os dois regimes de separação e a divergência existe, na separação obrigatória, quanto à possibilidade de comunicação dos aquestos prevista na Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF) e que muitos autores entendem revogada pelo Código Civil de 2002.

Direitos sucessórios – Conforme Mário Delgado,já existe na doutrina uma corrente de interpretação dos direitos sucessórios, francamente majoritária, que pode ser resumida no enunciado aprovado na 3ª Jornada de Direito Civil e cuja redação é a seguinte: “O artigo 1.829, inciso I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, ou se o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência restringe-se a tais bens, devendo os bens comuns (meação) serem partilhados exclusivamente entre os descendentes”.

O advogado ainda esclarece que as controvérsias sobre a interpretação dos direitos sucessórios começaram a surgir a partir de algumas decisões isoladas do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entraram em confronto com o entendimento exposto acima. “Entretanto, já existe um movimento de pacificação da matéria no âmbito do STJ, e as últimas decisões do final do ano passado e início deste ano têm se harmonizado com a doutrina majoritária. Imagino que, com o tempo, teremos uma padronização desses entendimentos”, argumenta.

Por fim, Mário Delgado afirma que qualquer lei escrita precisa de constante aperfeiçoamento. “Mas a evolução do Direito – e sustento isso em meus livros – não é encargo exclusivo do legislador. A Lei também se transforma pelas mãos do intérprete e pelas releituras dos tribunais. O Código Civil já está sendo aprimorado nesses seus 12 anos de vigência. E pode evoluir ainda mais. Entretanto, a discussão sobre um estatuto para as sucessões ainda precisa ser mais aprofundada. Não estou certo se será o melhor caminho, até mesmo pela ligação visceral que existe entre o direito das sucessões e outros livros do Código, como é o caso do Direito das Coisas”, completa.

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