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16 de Abril de 2024

Justiça de Goiás mantém nome de pais afetivo e biológico em certidão de criança

A juíza da Vara de Família e Sucessões de Rio Verde, em Goiás, Coraci Pereira da Silva, determinou que no registro civil de uma criança seja mantido o nome do homem que a criou como filha e incluído o de seu pai biológico. A juíza considerou que a paternidade socioafetiva deve ter tratamento igualitário à biológica. Com isso, a decisão respeitou a vontade exteriorizada pela garota e, com a aceitação dos dois, ela passa a ter o nome de ambos em sua certidão de nascimento, bem como dos avós paternos.

A magistrada declarou a paternidade do pai biológico em face da filha, comprovado pelo teste de DNA, e ainda reconheceu o vínculo de socioafetividade consolidado entre o pai socioafetivo e a menina. De acordo com a juíza, a família deixou de ser uma unidade de caráter econômico, social e religioso, para se tornar um grupo de afetividade e companheirismo. Citando a desembargadora aposentada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a juíza Coraci Pereira da Silva afirmou que o estado de filiação decorre da estabilidade dos laços construídos diariamente entre pai e filho. Ela avaliou que os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue, e com isso a posse de estado de filho nada mais é que o reconhecimento jurídico do afeto, com objetivo de garantir a felicidade, em um direito a ser alcançado.

Vínculo afetivo – De acordo com Coraci da Silva, a consagração da afetividade como direito fundamental subtrai a resistência em admitir a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva. Segundo ela, a paternidade e a maternidade vêm alterando significativamente seus conceitos, deixando a ascendência genética de ser suficiente para determinar a filiação, o que acaba ampliando a importância dos laços afetivos. Ela ainda afirma que, neste aspecto, a filiação biológica acabou por ser reprimida pela socioafetiva, ocorrendo a chamada desbiologização da paternidade.

Outro ponto considerado pela juíza foi o depoimento da menina, que demonstrou ter fortes laços afetivos com o pai registral, os quais são mantidos atualmente. Conforme informações fornecidas pela criança, a mesma mantém contato telefônico com o pai socioafetivo e passa suas férias escolares com ele, o que comprova que o vínculo afetivo construído continua existindo, mesmo após a descoberta da filiação biológica e pela vontade de ambos de estabelecerem uma convivência.Com isso, a magistrada considerou que esta situação não pode ser desprezada.

Nos autos, foi possível constatar que o pai biológico conviveu com a mãe da criança, em união estável, durante dois anos, eapós o término do relacionamento ela passou a viver com o pai afetivo, com quem supostamente teria tido uma filha, registrada por ele com seu nome. Entretanto, o pai biológico percebeu que com seu desenvolvimento e crescimento, a criança não tinha as características físicas semelhantes com o pai que a registrou.Diante disso, ambos realizaram em consenso um teste de DNA, que apontou que o autor da ação é o pai biológico da menor. Esse foi o motivo pelo qual o pai biológico requereu o reconhecimento judicial.

Visão especializada – Para a advogada Maria Luiza Póvoa, presidente do IBDFAM/GO, nos dias atuais está em voga a afetividade como um dos princípios basilares do Direito de Família. “Isto significa que o vínculo afetivo tem um peso enorme quando se trata de discussões e assuntos que envolvem o Direito familiar”, afirma. Segundo a advogada, acerca da importância dada à afetividade, surgiram alguns pontos controvertidos sobre a utilização dela no meio jurídico, tal como a prevalência do vínculo afetivo sobre o vínculo biológico.

Maria Luiza Póvoa expõe que em 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 1087163/RJ, com a relatoria da ministra Nancy Andrighi, decidiu que no caso de paternidade ou filiação, havendo discussão entre vínculo biológico e afetivo, prevalece o vínculo afetivo. “O Supremo Tribunal Federal, até o presente momento, não adotou uma posição consolidada sobre qual vínculo (biológico ou afetivo) deve prevalecer. Contudo, em notícia veiculada no site do STF no dia 16 de janeiro de 2013, foi reconhecida a existência de repercussão geral na questão dos vínculos, o que ensejará uma decisão do Órgão com relação ao tema (processo vinculado ARE 692186). Observa-se que o tema é atual e não tem corrente definida, havendo estudiosos, doutrinadores e órgãos a favor e contra a prevalência do vínculo afetivo, fato esse que desencadeia decisões diferentes em todo o país”, comenta.

A advogada explica que além da controvérsia descrita acima, existe também a multiparentalidade, que é a existência concomitante e simultânea da paternidade afetiva e biológica. Ela esclarece que com a multiparentalidade, passa a existir na certidão de nascimento de uma pessoa um pai ou uma mãe afetivo e outro biológico, assim existindo a permanência simultânea de ambos os pais ou mães afetivos e biológicos. “Estes entendimentos vêm sendo adotados para prevalecer o princípio do melhor interesse do menor, que possui amor de ambos os pais, permanecendo o vínculo afetivo e biológico. Esse novo instituto ainda está sendo explorado pelos estudiosos e atuantes da área jurídica. A decisão proferida pela magistrada é inovadora e se junta a outras que também acataram a multiparentalidade. Também no Estado de Goiás, recentemente (no ano de 2014), a Juíza Lígia Nunes de Paula decidiu pela multiparentalidade, reconhecendo o vínculo afetivo entre filhos e pai e determinando a averbação do nome do pai afetivo e mantendo o pai biológico”, aponta.

Segundo Maria Luiza Póvoa, a multiparentalidade ainda demanda sérias discussões acerca dos seus desdobramentos futuros e seus efeitos jurídicos, quais sejam eles: a divisão das funções entre os genitores; a possibilidade de pensionamento alimentício para ambos os genitores afetivo e biológico ao mesmo tempo; a necessidade de assinatura de ambos para atos privativos; o recebimento de herança de ambos; o recebimento de previdência de ambos; dentre outros. “Conforme exposto, a multiparentalidade necessita da paternidade biológica e também da afetiva. Logo, voltamos à contenda acerca da afetividade. Em sendo a afetividade prevalecente sobre a biológica, não haveria sentido em manter esta última, a não ser pela identidade genética. Diante disso, se seguir a corrente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), provando a existência de paternidade ou filiação afetiva, poderá ser desconstituído o vínculo genético/biológico do filho para inserção do afetivo. A não ser que se utilize o instituto, ainda novo, da multiparentalidade, mantendo os dois vínculos, afetivo e biológico. A afetividade é um avanço no Direito de Família, pois, utiliza-se de bases afetivas sólidas, concretas e influenciando diretamente os filhos, o que preserva a dignidade da pessoa humana e da família. Por fim, não se pode olvidar que a afetividade deve ser comprovada para ser reconhecida”, completa.

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