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19 de Abril de 2024

Guarda Compartilhada: diretor do IBDFAM comenta o modelo de guarda recém aprovado no Senado como regra em casos de dissolução conjugal

Na última quarta-feira, dia 26, o plenário do Senado aprovou o projeto de lei que garante a guarda compartilhada de filhos de pais divorciados, mesmo que não haja acordo entre as partes. O projeto transforma a guarda compartilhada em regra e altera a atual redação do Código Civil, que tem induzido juízes a decretarem guarda compartilhada apenas nos casos em que há boas relações entre os pais após a dissolução conjugal. A proposta está aguardando a sanção presidencial para virar lei.

Em 2012, de acordo com os dados mais recentes do IBGE, a guarda dos filhos menores foi atribuída às mulheres em 87,1% dos divórcios concedidos no Brasil, contra 6% que obtiveram a guarda compartilhada. Os dados refletem o contexto histórico que durante anos atribuiu a guarda preferencialmente à mãe e revelam a importância da mudança definitiva do paradigma tradicional da exclusividade da guarda materna. Sobre o tema, confira entrevista com o presidente da Comissão de Ensino Jurídico de Família, Waldyr Grisard Filho, autor do livro Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental (Revista dos Tribunais):

Porque, durante tantos anos, a guarda dos filhos menores, em casos de dissolução conjugal, foi atribuída preferencialmente às mães?

Lembra Maria Berenice Dias, que aos meninos era proibido entrar na cozinha e brincar de bonecas, o que levou os homens ao despreparo no desempenho das funções de maternagem. Por isso, os filhos sempre estiveram aos cuidados das mães. Cuidando os homens dos negócios externos da família pai provedor e as mulheres das tarefas internas da família mãe dona-de-casa -, natural que a essas fossem atribuídos os cuidados dos filhos. Na dissolução do casal conjugal, sem qualquer outra cogitação, os filhos ficavam com a mãe, tanto pelo consenso dos pais como pelas decisões dos tribunais, simplesmente, nem quando vivesse em concubinato. É natural o apego do filho com sua mãe, o que constituía elemento, quase decisivo, sem dúvida, preponderante na determinação da guarda. Ao tempo, os laços maternos são indispensáveis para o desenvolvimento psicológico dos filhos.

Quando começou a se perceber que este pressuposto, de que a guarda dos filhos deve ficar com as mães, não refletia mais as necessidades dos filhos e dos pais?

No Código Civil de 1916, o critério de atribuição da guarda assentava-se na não-culpa do genitor pela separação conjugal; o culpado punia-se com a perda da guarda dos filhos comuns. Se ambos fossem considerados culpados, a guarda dos filhos menores era atribuída à mãe. Esse critério permaneceu na Lei do Divórcio. Consagrando a Constituição Federal de 1988 os princípios da igualdade entre cônjuges e filhos, o do melhor interesse da criança, o da paternidade responsável, o dever conjunto pela criação e educação dos filhos, a discriminação habitual à guarda materna cedeu lugar a uma nova concepção ao exercício da parentalidade. A revalorização do sujeito - e o menor é sujeito de direitos - como reflexo da Constituição Federal, apontou decididamente para a reconsideração do paradigma tradicional da exclusividade da guarda materna. Movimentos associativos iniciaram uma viagem sem volta à implantação de um modelo de guarda que não violasse o princípio constitucional garantidor da igualdade de direitos entre pais e seus filhos, com respeito à dignidade da pessoa do filho.

A guarda compartilhada é o melhor modelo de cuidado aos filhos menores em casos de ruptura conjugal? E qual a importância desse modelo de guarda?

Sim. A guarda de filhos decorre do fato da paternidade e da maternidade; portanto, o direito de ambos os pais conviverem com seus filhos para construírem suas personalidades, sendo, por isso, indiferente conviverem ou não em uma relação familiar. Quando um dos pais exerce sozinho e com exclusividade a guarda de filho, reduz-se a participação do outro a meras visitas, dificultando avaliar seu desenvolvimento e crescimento pessoal. Quando instituída a guarda compartilhada, há participação ativa de ambos os pais na integral formação do filho, de forma conjunta. Se ambos os pais são igualmente detentores do poder familiar, a guarda compartilhada é o modelo que se adequa à sua estrutura, pois convoca os pais ao seu pleno exercício.

Qual o objetivo da guarda compartilhada?

Em decorrência desses movimentos, amplamente apoiados pelas ciências que estudam a mente humana, o Código Civil de 2002 foi alterado, mas somente em 2008, com o advento da Lei nº 11.698, que modificou seus artigos 1.583 e 1.584. Por esses dispositivos, ficaram definidos os modelos unilateral e compartilhado de guarda de filhos de pais que não convivem. A guarda compartilhada assegura a ambos os genitores a responsabilidade conjunta e o exercício de direitos e deveres concernentes ao poder familiar, na mesma medida e na mesma intensidade. A definição de tempo e horário para o exercício do poder familiar implica na exclusão de um dos pais da vida do filho. Evitar tal fracionamento é o objetivo da guarda compartilhada.

Como este modelo de guarda contribui para atenuar as consequências maléficas que a guarda única pode provocar, como a alienação parental?

Se a guarda compartilhada é a realização conjunta do poder familiar com o escopo de manter entre pais e filhos uma convivência estreita e contínua, quotidiana e frequente presença de um na vida do outro, não haverá lugar para a instalação da alienação parental.

Além de evitar a alienação parental, quais as outras vantagens da guarda compartilhada?

A guarda compartilhada eleva o papel do pai na criação de seu filho e torna o poder parental mais equilibrado. Por outro lado, as mães querem dividir esse poder com os pais, convocando-os ao exercício pleno da paternidade responsável. O Projeto hasteia a bandeira branca, sinal de paz, aos graves conflitos patrocinados pela guarda unilateral.

Na guarda compartilhada compele aos pais equalizar a criação dos filhos. Neste sentido, como ficam aspectos como tempo passado com os filhos, moradia e alimentos para cada genitor?

A guarda compartilhada não representa uma divisão equitativa de tempo de convivência entre pais e filhos. Não se pode confundir guarda compartilhada com guarda alternada. Essa sim, representa uma fragmentação do tempo que o menor convive com cada um dos pais, prefixados no calendário dias, semanas, meses, anos; enquanto um é o guardião, o outro é o visitante, invertendo-se os papeis no final de cada período. Na guarda compartilhada, são múltiplos os arranjos ao exercício da co-parentalidade, sem descurar dos melhores interesses da criança. A manutenção da convivência entre pais e filhos é o que importa: levar e trazer da escola, auxiliar o filho nas tarefas diárias, participar de reuniões pedagógicas e de eventos esportivos, acompanhar o filho nas atividades extracurriculares como natação, estudo de línguas, balé ou futebol, freqüência a teatros, cinemas e museus, idas a médicos, enfim, integrar-se na vida do filho, ensinando-lhe, por suas atitudes, os supremos valores à formação psico-social. Na guarda compartilhada os filhos transitam normal e livremente por dois lares. Não se modificando o poder familiar com a desunião do casal parental, em nada se alteram os direitos-deveres dos pais em relação aos filhos sob sua responsabnilidade. Quer isso dizer: a obrigação alimentar subsiste. É dever de ambos os pais criar seus filhos, diz a Constituição Federal. Mas poderá avançar para mecanismos mais adequados a cada casal, como a repartição das despesas. Mas, atenção, a nova lei não rescinde automaticamente as situações já constituídas por acordo ou decisão judicial.

Caso seja sancionada, como esta nova lei vai impactar na vida das famílias brasileiras?

A aprovação pelo Senado da República do Projeto de Lei nº 117/2013, que estabelece o significado de guarda compartilhada e dispõe sobre sua aplicação, vem confirmar o que venho defendendo há anos, desde o I Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado pelo IBDFAM no ano de 1997 (Repensando o Direito de Família Anais, p. 213-224): o convívio permanente de ambos os pais com seus filhos, preservando a continuidade e fortalecendo os laços afetivos já existentes, oferecendo aos filhos a segurança de contarem com seus dois pais em suas vidas. O texto reafirma a prevalência da guarda compartilhada, ainda que haja desacordo entre o casal conjugal, pois não é ele que se busca preservar, mas a permanência do casal parental. Agora é obrigatória, só não será aplicada se um dos pais declarar ao juiz que não deseja a guarda do filho. O Projeto, se sancionado pela Presidente da República, possibilitará ao genitor não guardião, no exercício da supervisão que lhe compete, solicitar prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos e situações que afetem a saúde física e psicológica e a educação dos filhos. O novo texto do artigo 1.583, do Código Civil, estabelece que nenhuma decisão sobre guarda de filhos, em sede de medida cautelar, será proferida sem a oitiva de ambas as partes perante o juiz. A futura nova lei só permitirá a mudança de residência do menor para outro município por concessão de ambos os pais. Uma mudança relevante: no lugar de tempo de custódia física, o texto adotou a expressão tempo de convivência.

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É uma ótima ideia a guarda compartilhada, mais será que veremos efeitos quando começar a ocorrer, os pais saberão respeitar os limites um do outro, eles também terão noção de como será a rotina da criança? Essas são questões que estão sendo apuradas? Porque isso pode apenas causar mais tumultos se não forem bem explicadas e definidas. continuar lendo