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20 de Abril de 2024

Adoção unilateral garante a criança o direito de ter duas mães

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que garantiu dentro de uma união estável homoafetiva, a adoção unilateral de filha concebida por inseminação artificial, para que ambas as companheiras passem a compartilhar a condição de mãe da criança. O colegiado, por unanimidade, negou o recurso do Ministério Público (MP) de São Paulo que pretendia reformar esse entendimento.

No caso, uma mulher pretendia adotar a filha da companheira com a qual vive em união estável e, segundo o relato da adotante, as duas mulheres planejaram o nascimento da criança, que foi concebida por meio de uma inseminação artificial heteróloga, com doador desconhecido. A inseminação artificial heteróloga é a técnica de reprodução assistida que envolve a doação de gametas de terceiro anônimo estranho ao casal.

Controvérsia - De acordo com o texto do acórdão, a controvérsia era identificar se é possível a adoção unilateral, dentro de uma união estável homoafetiva, para que ambas as companheiras passem a compartilhar a condição de mães dessa criança.

A adoção unilateral está prevista expressamente no art. 1.626 do Código Civil e acontece quando o cônjuge ou o companheiro pode adotar o filho do outro, sem que a mãe ou o pai seja destituído do poder familiar. Essa adoção, segundo a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), não passa pelo Cadastro Nacional de Adoção e, como explica, tem sido incorporada com o avanço das modernas técnicas de reprodução assistida, barriga de aluguel e inseminação artificial.

Em recurso ao STJ, o MP sustentou que seria juridicamente impossível a adoção de criança ou adolescente por duas pessoas do mesmo sexo. Afirmou que o instituto da adoção guarda perfeita simetria com a filiação natural, pressupondo que o adotando, tanto quanto o filho biológico, seja fruto da união de um homem e uma mulher.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, disse que os laços de afeto, companheirismo, amor e respeito que unem a apelada à mãe biológica da menor retratam união estável. Não importa se a relação é pouco comum, nem por isso é menos estruturada que a integrada por pessoas de sexos distintos. E que nada justifica a recusa à adoção unilateral, que tem por finalidade enquadrar a menor no núcleo familiar em que se encontra plenamente adaptada, permitindo-lhe, assim, o exercício digno dos direitos e deveres decorrentes da instituição familiar.

A ministra ressaltou que o ordenamento jurídico brasileiro, a começar pela Constituição Federal, não limita os direitos ao exercício pleno da cidadania por orientação sexual. Em seguida, explicou que se determinada situação é possível ao extrato heterossexual da população brasileira, também o é à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza. Estes, como aqueles, são abraçados, em igualdade de condições, pelos mesmos direitos e se submetem, de igual forma, às restrições ou exigências da mesma lei, que deve, em homenagem ao princípio da igualdade, resguardar-se de quaisquer conteúdos discriminatórios.

Para ela, o fato de se tratar de união estável homoafetiva não pode ser um entrave à adoção, já que esta não se distingue, em termos legais, da união estável heteroafetiva, uma vez que, em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que a união homoafetiva tem os mesmos efeitos jurídicos da união estável entre pessoas de sexo diferente.

O MP demonstrou a preocupação de que a adotanda, hoje uma criança, amanhã uma adolescente, passará por uma série de constrangimentos e discriminações, sempre que exibir em seus documentos pessoais sua inusitada condição de filha de duas mulheres. Entretanto, a ministra refutou tal argumento, considerando que a circunstância é perfeitamente contornável e suplantada pelos benefícios da adoção.

Com base no princípio do melhor interesse da criança, a ministra Nancy Andrighi considerou que essa diferença persistiria, mesmo se não houvesse a adoção, pois haveria maternidade singular no registro de nascimento, que também poderia ser motivo para discriminação.

Superando preconceitos- De acordo com a ministra, a adoção é um ato de amor e exige do adotante desprendimento para aceitar, como parte de sua vida, alguém com quem não tinha vínculo biológico, paciência para lidar com as inúmeras situações de tensão que brotam de uma relação familiar e, sobretudo, carinho para fazer com que os adotandos, muitas vezes vítimas de uma estrutura social perversa, recuperem o sonho de viver. E que essas, ou outras qualidades quaisquer que venham a ser enumeradas, independem de gênero, credo, cor ou orientação sexual, mas não prescindem de elevadas doses de humanidade.

A ministra considera a evidente necessidade de se aumentar, e não restringir, a base daqueles que desejam adotar, em virtude da existência de milhares de crianças que desejam apenas um lar, ressaltando que os preconceitos nunca devem superar o legítimo direito de uma criança ou adolescente acordar em um lar que possa chamar de seu.

Ampliando direitos- Este é o exemplo que vem de muitos países. Afinal, se está diante de uma nova realidade. O modelo patriarcal da família desapareceu. Vive-se o império da igualdade e prevalece o princípio da afetividade na própria definição da família e na identificação dos vínculos parentais, afirmou a vice-presidente do IBDFAM.

Maria Berenice garante que a decisão do STJ suscita outros entraves jurídicos que o Direito de Família tenta contornar, como a substituição da licença maternidade atual pela "licença-natalidade", que ampliaria o prazo do benefício para 180 dias, nos quais os primeiros 15 dias de licença seriam usufruídos por ambos os genitores e, o período seguinte, por qualquer um deles, fracionado da forma que desejarem.

A Proposta de Emenda Constitucional que prevê a "licença-natalidade" (PEC 110/2010) está tramitando no Congresso Nacional.

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